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Textos_Religiosos-->PADRE JOÃO MODESTI — CARTA MORTUÁRIA -- 10/02/2006 - 22:19 (LUIZ ROBERTO TURATTI) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




INSPETORIA SALESIANA DE SÃO PAULO

COMUNIDADE SALESIANA

ORATÓRIO SÃO LUIZ – ARARAS (SP)

BRASIL



PADRE JOÃO MODESTI

CARTA MORTUÁRIA

* 21/09/1919

† 21/05/2005



Prestes a completar 86 anos de idade, faleceu no dia 21 de maio de 2005, um dentre os mais ilustres cidadãos ararenses, o nosso tão querido Pe. João Modesti.

Filho de um casal italiano imigrante, Modesti João e Thereza Noris, nasceu no bairro São Vicente, município de Araras, aos 21 de setembro de 1919, trazendo dos pais a esperança de ser ele, aquele filho que eles pediram ao céu. E também ele, herdeiro da simplicidade de uma família pobre mas temente a Deus, viveu, desde os primeiros anos de criança, o ideal de ser gente, gravado na alma pela honestidade dos pais. E foi nesse clima de paz e amor que o garoto João Modesti crescia levando consigo saúde, alegria e desejo de vencer.

Prendado por uma dádiva do céu de uma inteligência rara e uma memória feliz, fez seus primeiros três anos de estudo – 1928-1930 – no grupo escolar Cel. Justiniano, estabelecimento de ensino de sua cidade natal. Garoto sem sapato e de pé no chão equilibrava seu plano social pela aplicação e aproveitamento na sua primeira escola, levando com singular brilhantismo e simplicidade a honra infantil de ser sempre o primeiro da classe.

A par de tanto pendor, levado pelo exemplo daqueles homens de Deus do seu tempo, Pe. Luiz Rigotti e Pe. Atílio Cosci de quem guardava saudosas recordações, uma vez oratoriano no Oratório São Luiz, existente até hoje, tornou-se também coroinha, de onde, pelo gosto da liturgia da época, foi-lhe despertando aos poucos na alma, e no coração também, o desejo de ser padre tanto quanto aqueles cujo exemplo de verdadeiros ministros de Deus lhe formavam seu coração de jovem.



O coroinha João Modesti


E o desejo de ser padre lhe falou mais alto; e naquele já longínquo 1931 deixou seu grupo escolar Justiniano da sua terrinha natal, certamente pedindo bênção aos seus pais, acompanhado por sua irmã Josefina e pela amiga da sua irmã, Leontina Galembeck, foi para o internato de Campinas, como que fazendo um pequeno estágio de aluno interno para mais facilmente se adaptar no regime seminarístico onde, por vezes, se encontravam lágrimas envolvendo saudades curtidas por quem partira do convívio familiar. E esse ano de Campinas também passou. E o garoto de Araras sempre olhando pra frente no seu ideal, no ano seguinte de 1932, inicia regularmente seu tempo de seminário.

Começa agora seu trajeto venturoso da Lavrinhas de “Nossa Senhora” mas dolorido naquele tempo pela pobreza daqueles padres e a dor da pobreza para os alunos também. E tudo isso acredito ser verdade, pois não era tão esporadicamente a afirmação do protagonista desta história, além do que, dizia ele, até mesmo a fome, por vezes, fazia morada naquela casa de estudo, de disciplina, de oração e santidade também. E naquele regime disciplinar de estudo e privação da família, e outras coisas da época que somente quem as viveu pode dizer assim, embora o cuidado responsável daqueles superiores, e ao mesmo tempo professores, procurasse desfazer aquela barra, mesmo assim, quem não fosse corajoso no seu ideal, por certo era vítima do desânimo no trajeto vocacional de chegada.

E o garoto de Araras, por vezes reclamando, e talvez com certa razão, se de um lado a saudade de casa também o fazia sofrer, seu prazer pelo estudo e o desejo de saber mais para melhor ensinar contrabalançava o sofrimento de algumas tristezas por algumas incompreensões.

E o tempo de seminário ginasial, para o garotão do interior, chegou para ele também ao fim. Desse tempo de 1932-1936, pois o curso ginasial daquele tempo era de cinco anos, agora lhe restava somente saudade e a consolação de ter tirado sempre “nota 10” em qualquer matéria, exceto em caligrafia, matéria essa, como sempre risonhamente falava, para a qual jamais ele tinha nascido. Aliás, vítima do caráter e ao mesmo tempo salpicado de leve mas aparente humorismo, sua nota comportamental ou comportamento nunca passou da média, e por isso mesmo, foi para o noviciado sem ter nunca tirado o chamado “dez-com-louvor” de comportamento daquele tempo, assunto esse sobre o qual sempre se referia sorrindo quando falava da sua respeitosa e saudosa “Lavrinhas”.

E agora, prezado leitor, não querendo ser eu senhor da verdade, já que a data do seu noviciado sofreu algumas irregularidades, e por isso mesmo, seu curso de filosofia e seu tempo de assistência também, não querendo ser vítima de engano, passo a palavra ao seu inesquecível colega de estudo e de oração, o Revmo. Sr. Pe. Júlio Comba, o qual, mais que ninguém, o conheceu, e por quem o Pe. João Modesti tinha verdadeira veneração.

Fala, Pe. Júlio, a palavra agora é toda sua!

“O Pe. João Modesti e seus treze colegas deveriam ter feito o noviciado em 1937, mas naquele ano, a casa da Lapa, onde funcionava o noviciado salesiano, começou a ser ocupada pelos estudantes de teologia, lá transferido da casa de Santa Terezinha (São Paulo – Capital). Por isso os candidatos ao noviciado ficaram em Lavrinhas, e lá cursaram o primeiro ano de filosofia.

O noviciado recomeçou a funcionar em 27 de janeiro de 1938, não mais na Lapa, mas na Avenida Nazaré, no bairro do Ipiranga, num prédio oferecido pelo Conde José Vicente, benfeitor salesiano de Lorena. Lá foi o noviço João Modesti com seus trinta e sete colegas.

O mestre era o luminoso Pe. Luiz Garcia de Oliveira, que tinha apenas 38 anos de idade. O noviciado naquele tempo, começava a vinte e sete de janeiro, para que os noviços pudessem professar no dia vinte e oito de janeiro, véspera da Festa de São Francisco de Sales. Mas naquele ano de 1938, o Pe. Pedro Ricaldone pediu que, no hemisfério sul, as primeiras profissões se celebrassem na Solenidade de São João Bosco. Por isso, o noviço João Modesti professou, com mais trinta e seis colegas, no dia 31 de janeiro de 1939.

Depois, ele foi para Lavrinhas, onde cursou o segundo ano de filosofia. Em 1940, apesar de estar cursando o terceiro ano de filosofia, ele foi convidado para ser assistente da divisão dos aspirantes maiores e professor de química e física do segundo grau. E foi muito eficiente! Por aí se vê o grau de inteligência com que Deus o tinha dotado. Passou o segundo e terceiro ano de tirocínio na nossa obra de Niterói. Em 1944 iniciou, no Pio XI (Alto da Lapa) o curso de teologia.

É bom notar: que fato impressionante! A média final de todas as matérias, tanto no curso de filosofia como no de teologia sempre, sempre foi dez. Logo depois da ordenação sacerdotal, foi enviado para o Estudantado Filosófico de Lorena para ser conselheiro escolar e professor dos clérigos estudantes de filosofia. Por seu brilhantismo na docência, foi convidado pelo Pe. Inspetor, o fraterno Dom Resende Costa, para freqüentar, nas recém-fundadas Faculdades Salesianas de Turim, na sede do Revaudengo o curso de psicologia.

De lá voltou trazendo o diploma de doutor e foi lecionar na Faculdade de Lorena, onde foi também diretor do Colégio São Joaquim. Foi também professor brilhante no Instituto Teológico Pio XI do Alto da Lapa (SP). Depois de ter passado algum tempo, como diretor da Escola São José de Campinas e sua permanência em Piracicaba por 6 anos veio definitivamente para Araras, sua terra querida, onde desenvolveu um profundo apostolado sacerdotal, ocupando o tempo livre na redação de livros maravilhosos; escreveu 18 livros marcados por profunda e atraente salesianidade!”

Como foi relatado, aquele que mais queria saber para melhor ensinar, recebendo a ordem de transferência de casa, não duvidou em deixar a simplicidade do vilarejo interiorano das margens do Paraíba para ser assistente e lecionar em Niterói, berço da vivacidade carioca. E essa troca de cultura e meio-ambiente colorido daquela vivacidade mesclada de gente esperta e gente experta também, segundo ele mesmo dizia, foram esses anos de 1942 e 1943, para ele os anos mais felizes da vida. E não podia mesmo ser diferente já que ele levava consigo o lema dos primeiros anos de escola: “Aprender sempre mais, para melhor ensinar”. E nessa decisão de sempre, embora jovem de cabelo raspado, moda extravagante da época, gozou de autoridade, simpatia, apreço e respeito no meio daquela gente.

Da assistência para a teologia naquele 1944, repleto de experiências e de façanhas, por certo sentiu saudade da rapaziada buliçosamente risonha de Niterói, pois seu caráter de aparência intransigente jamais deixou de ser inteiramente juvenil que, andando sempre com ele, andaram de par em par envolta da esperança, embora venturosa, da juventude.

E agora, no Estudantado Teológico do Pio XI da Lapa, não mais brincando com as exigências da química, física e matemática, pois, para ele essas matérias nunca fizeram frente por lhe serem até mesmo diversão, mergulhado agora na responsabilidade e profundeza do curso de teologia, sempre gozando da amizade, confiança e admiração dos padres seus superiores e professores também, continuou na sua vida costumeira de aprender sempre mais para melhor ensinar. E nesse seu contínuo teor de vida, jamais perdeu o costume de tirar “dez” em qualquer matéria.



A ordenação do Pe. João Modesti


Ordenado sacerdote no já longínquo 1947, foi para Lorena para exercer o cargo de conselheiro escolar dos estudantes de filosofia onde lecionou, além das matérias filosóficas, também as matérias de sempre, química, física e matemática, matérias essas que lecionava por paixão.

E nesses três anos de conselheiro e professor, apesar da rígida separação entre filósofos e aspirantes, mesmo assim, se podia perceber, além da seriedade nos estudos, também o espírito de trabalho que reinava naqueles moços seminaristas. E para amenizar aquele empenho de trabalho, de estudo, disciplina e de oração, o jovem conselheiro, Pe. Modesti, promovia alegres recreações, principalmente teatrais. Padre exigente, porém caridoso e providente, fazia o que não podia para que os seus assistidos tivessem, pelo menos, o necessário para viver em comunidade. Em poucas palavras, para aqueles seminaristas do seu tempo e da sua responsabilidade, se lhes foi exigente, enfrentou também por demais sacrifícios para contrabalançar a disciplina exigente da época, o peso responsável do estudo, e porque não, a dor da saudade também!?

E você, Pe. Guedes, que foi daquele tempo, o que você tem a dizer?

“Pe. Modesti, com seu temperamento explosivo, generoso, criativo e muito entusiasmado, dedicava-se de corpo e alma pelo bem dos clérigos. Não poupava esforços. Considerado ótimo professor, claro e exigente, sabia incentivar-nos nos estudos. Alegrava nossos recreios e proporcionava um ambiente alegre e dinâmico.

Sabia também envolver-nos nos trabalhos domésticos e até para a manutenção e conservação da casa. Podia ser considerado severo na correção, mas estava sempre pronto para animar quem dele precisasse. Tive a sorte, alguns anos depois, de colaborar com ele no Laboratório de Psicologia de nossa Faculdade, nos primórdios. Sem dúvida o UNISAL, ficará sempre lhe devendo a implantação dos estudos psicológicos, pesquisas e serviços para todo o Vale do Paraíba. Seus alunos, salesianos e muitos leigos puderam haurir de sua vida e de suas palavras grandes lições de Dom Bosco e da espiritualidade salesiana”.

Valeu Pe. Guedes!

E tudo isso para que a vida daqueles moços fosse colorida com as cores da saúde, da ciência e santidade.

E esses seus três anos de sacrifício e coragem foram coroados pelos anos que passou em Roma, trazendo consigo o diploma de doutor, e doutorado “magna cum laude”.

E o seu desejo de lecionar continua e continua também seu sacrifício entusiasmado de trabalhar qual diretor no Colégio São Joaquim e ser professor na Faculdade Salesiana de Lorena. E nesses seus seis anos de diretor e professor em Lorena, mesmo enfrentando, por vezes, algumas desilusões, nada poupou de sua pessoa para o bem do colégio e de seus alunos. Era criança com as crianças, jovem com os que eram jovens, firme para com os que precisavam de firmeza; porém tudo fazia para que todos tivessem o melhor e o melhor que o colégio lhes pudesse dar. Tantas e tantas reformas, inclusive várias construções foram feitas, talvez até mesmo ferindo a pobreza do colégio, mas aumentando mais e mais a alegria dos alunos. E isso me cabe afirmar com conhecimento de causa porque durante esses anos fui assistente e professor nesse então renomado colégio de Lorena, e por que não também da Inspetoria, e talvez, até mesmo do país?!

Terminando os seis anos do seu diretorado em Lorena, Pe. Modesti foi ser diretor na Escola São José de Campinas, no tempo que esse estabelecimento era apenas uma casa mais de abrigo do que escola. E esse período de 1963-1966 não lhe foi tão bom como os outros de outrora, pois, quem tinha sido diplomado doutor, em Roma, era um tanto deselegante, para não dizer, de certo modo até mesmo ridículo, precisar dar aulas de tabuada para os meninos recebidos de casa de correção. E nesses três anos de martírio, e martírio maior ainda foi pelas incompreensões reinantes naquela casa ou naquela escola. Contudo, aí também lecionou por gostar de lecionar. E nesse período de incompreensões, da parte de quem não sei, somente sei que nesse período houve um certo descontentamento pela eleição de Inspetor, e tendo ele se envolvido politicamente no assunto, levou a pior. Transferido então para o Colégio de Americana, foi-lhe dado lecionar aritmética para as crianças do primário. Afinal, professor de universidade lecionar no primário, talvez até mesmo para cumprir tabela, exige mesmo demasiado gosto de lecionar; e isso ele tinha. Eis aí mais dois anos de tormentos.

Em 1968, foi transferido para o Colégio Dom Bosco de Piracicaba. E como ele mesmo dizia, o primeiro ano de sua permanência em Piracicaba foi um tanto difícil por certos abusos acontecidos naquele colégio, destruindo a fama que aquele estabelecimento de ensino tinha naquela cidade. Contudo, pelo empenho e seriedade que Pe. Modesti e seus colegas de ensino colocaram naquela escola, o colégio, em breve, retomou o respeito que perdera. E o seu diretorado aí, de 1968-1973, fez com que o Colégio de Piracicaba fosse digno da fama que gozava na cidade. E assim, retomando agora seu plano de professor, causava admiração naquela rapaziada do antigo científico pela facilidade com que dominava as matérias que lecionava, quais sejam, física, química e matemática, matérias que lecionava, como disse, que lecionava por diversão. Com efeito, voltava agora ser professor daquela rapaziada que desejava seriamente entrar na faculdade.

E nessa coerência responsável de professor, possuidor de uma renomada competência e compreensão, ganhou amizade e respeito de toda aquela juventude. E não somente no campo do ensino, mas em tantas outras melhorias conseguiu realizar unicamente para o bem dos alunos, ainda que com grandes dificuldades econômicas.

Caríssimo leitor, não podia terminar esse panorâmico relato da sua vida ativa de escola, sem confirmar o seu grande atributo de caridade e amor para com quem queria estudar no colégio salesiano dirigido por ele: jamais consentiu que se cancelassem matrículas por justa impossibilidade de pagamento. E nessa conjugação de professor competente nas matérias que geralmente apavoram, de diretor compreensivo e quase sempre brincalhão, os seus milhares de alunos guardaram, e os que estão vivos conservam na mente, na alma e no coração, o seu modo de ser que agradava e que educava.

Terminando seu tempo de diretor em Piracicaba, seu longo tempo de escola em colégio também terminou. Entretanto, talvez terminou com muita saudade, pois vindo para a cidade de Araras, sua terrinha natal, continuou dando aula para os estudantes de teologia no Estudantado Pio XI da Lapa. E nessa maratona de ida e volta, enfrentando o desconforto do trem, viajou sempre de comboio, e continuou a lecionar, em parte, porque sabia lecionar, e em pequena parte, para manter seus compromissos econômicos de Araras.

E nesse vai-e-vem, maltratando sua saúde, após vários anos de professor de teologia, retirou-se totalmente das escolas, apenas levando consigo a lembrança do empenho, a saudade e consciência do dever cumprido nos quarenta anos do seu magistério.

E chegando a reta final do seu professorado, dizendo ele que foi mais professor que sacerdote, dizia unicamente por humildade, pois quem conheceu e conviveu com ele, pode verdadeiramente afirmar que seu magistério e o seu ministério caminhavam juntos, já que a sua competência no plano científico era motivo de veracidade no que ensinava no campo religioso. E essa realidade foi sempre o ornamento constante em toda a sua vida de padre professor.

Eis uma das afirmações de um dos seus alunos, Ivan Guerrini, na sua tese de doutoramento em física:

“O professor Pe. Modesti, por meio da física, me ensinou amar a Deus”.

Velava ardorosamente pela vida de piedade dos seus alunos, e por isso mesmo, promotor incansável de retiros espirituais para a clientela dos colégios do seu tempo de diretor. Defensor incansável do comportamento dos alunos, não somente não se ausentava do colégio, mas sua presença no pátio e nos dormitórios era quase tanto quanto a dos assistentes.

Segundo ele mesmo dizia, não tinha muito jeito para trabalhar no Oratório, porém aplaudia a grandeza dessa obra, e na função de diretor tudo de bom grado fazia para que nada faltasse aos oratorianos e os oratórios fossem sempre mais florescentes.

Fiel ao lema de Dom Bosco, “formar o bom cristão e honesto cidadão”, jamais negou bolsa de estudo ao oratoriano e a quem pretendia ser gente. E foram centenas esses comoventes exemplos de solidariedade. Eis a declaração de um dos inúmeros bolsistas do seu tempo, Atílio Zonta:

“Na minha adolescência quando bolsista no Colégio Salesiano de Piracicaba é que tive a oportunidade de conhecer mais de perto sua pessoa. Lembro-me ainda daquele coração, tão humano e despojado, quando uma senhora de idade veio aos prantos reaver o dinheiro da matrícula do netinho (naquela época sem direito ao retorno) e ele me chama ao escritório, abre a gaveta e me manda entregar o dinheiro àquela aflita senhora, com uma condição: “Não diga nada ao prefeito”, naquela época o administrador da casa. Como ele cresceu aos olhos daquele adolescente, aquele homem de aparência dura. Que influência teve aquele momento e no decorrer de toda minha vida, aquele simples ato, de doar. Ele era o meu pai, o meu tio, o meu amigo naqueles momentos elevados. São lembranças do Pe. Modesti, misturadas às sonoras gargalhadas à maneira rápida de cumprimentar com um tapinha na mão. E foi doído quando eu terminei os três anos de científico (2.º grau) e me despedi dele, com o coração na mão e ele, todo contido, deu-me o tradicional tapinha na mão. Não pude deixar de ouvir um breve elogio enquanto me dirigia ao portão do colégio. Fui ao céu, porque ele não era afeito a elogios.

Mas naquele momento deixei para trás alguém que deixou uma marca indelével em minha vida. A receptividade dos ensinamentos salesianos que tive sob a sua influência, o amor a Nossa Senhora e Dom Bosco, que ainda hoje cultivo, são frutos da benéfica influência do saudoso Pe. Modesti, o meu mestre e educador. E meu último contato com essa pessoa maravilhosa foi a última missa que assisti celebrada por ele: Num italiano impecável, seu sermão foi o mesmo de outras épocas: preciso, curto e sobre a Virgem Maria, a quem compartilhamos o mesmo amor a vida inteira. Adeus Pe. Modesti! Nossa Senhora deve estar feliz, ouvindo suas sonoras gargalhadas lá no céu, afinal, filhos alegres assim e comprometidos com os verdadeiros valores cristãos são tão raros atualmente. Raros e efêmeros como seus tapinhas nas mãos de outrora.”

E tudo isso, e muito mais do que isso, tudo passou. E agora morando no Oratório São Luiz da cidade de Araras, sua cidade natal, deixando na história sua vida ativa de escola, se envolveu com as pequenas criatividades desta casa, talvez a mais humilde da Inspetoria, mas que morava na mente, na alma e no coração do protagonista deste fascículo. E por isso mesmo, tudo o que existe aqui foi criado ou melhorado por ele. Criou oficina de encadernação, escola de costura, curso de computação, formou a banda de música e construiu a piscina; e a sua grande façanha em Araras, foi levar ao término a grande construção do Centro Juvenil no bairro Jardim Cândida continuando a construção que vinha sendo dirigida pelo seu antecessor. E foi para efetuar tal construção que ele gastou o que não tinha e grande parte da sua saúde.

E para não perder o pique do seu apostolado em dar aulas de matérias religiosas, por todo esse tempo de permanência em Araras, deu aula de Escritura para os leigos, já que nessa matéria tinha facilidade também. E tudo isso aconteceu com grande dificuldade já que a casa de Araras não é colégio e nem paróquia, é apenas oratório, e como tal, não tem renda fixa, mas vive com o preço de reconhecimento do povo ararense.

Na verdade, o povo de Araras estimava o Pe. Modesti; seu pedido era uma ordem para todos, e por isso mesmo, alguém se enganava pensando que Araras gozava de relativa facilidade econômica. Mas isso não era não, era o povo que estimava o Pe. João, e por isso mesmo, lhe dava de auxílio o que ele pedia.

E havia razão para isso porque o Pe. João Modesti cuja personalidade era realmente marcante na cidade.

A essas alturas, tomo a liberdade de resumir as palavras de um dos antigos oratorianos ararenses, Luiz Roberto Turatti:

Na minha mais tenra idade, disse ele, por volta dos meus 5–6 anos, quando então já era aluno do Oratório São Luiz, aqui em Araras, conheci o Pe. Modesti. Confesso que nós, então ainda crianças, tínhamos certo receio de sua pessoa, visto ser ele um padre aparentemente severo, apesar de exemplar e por demais correto. Entretanto, quando já depois da minha adolescência, deixando a freqüência oratoriana, mas não a do Santuário, entrei numa forte crise de fé que me fazia sofrer. E assim na ilusão de saber tudo, me tornei um tanto revolucionário, querendo até mesmo consertar o mundo. Assim sendo, via na intransigência do Pe. Modesti algo antagônico ao meu modo de ser. E nesse período de choque de idéias, cheguei a me debandar para superstições espíritas. Todavia, estudando mais profundamente a Parapsicologia, e tendo a oportunidade de trocar idéias com o Pe. Modesti, tive então a felicidade de me enriquecer de algo dos seus conhecimentos teológicos, religiosos, históricos e científicos que ele esbanjava com categoria e lucidez. Diante de tal competência, voltei para a Igreja e nela hoje sinto-me completamente realizado.

Fala, agora, você, Pe. Nery, seu assíduo companheiro em Araras!

“Para mim o Pe. Modesti foi uma figura singular. Um homem prendado de grande inteligência, emérito pedagogo, filósofo, teólogo, amante das coisas eclesiásticas. Grande devoto de Maria, do Coração de Jesus e do seu Santuário em Araras, tudo fez para o crescimento dessas devoções em sua cidade. Espírito aberto, acolhedor das pessoas necessitadas de orientação, tudo fazia para esclarecer e encaminhar soluções. Realizou na Congregação Salesiana grandes coisas de crescimento espiritual e material.

Nos últimos anos de vida conviveu com a doença e falava sempre da morte.

Lamentava-se, por vezes, como pessoa idosa, da falta de carinho e de educação dos mais jovens.

Exerceu o seu Sacerdócio com muita dedicação até os últimos momentos, celebrando até três missas dominicais nas capelas confiadas aos Salesianos.

O que aprendi na sua convivência, o que sei da vida Salesiana passada por ele na vida familiar eu agradeço a Deus.

Rezo por seu repouso eterno confiante na sua proteção junto de todos os Salesianos falecidos.”

E os fatos comprovam tal realidade: Em 1986 foi inaugurada a Estação Rodoviária de Araras, levando seu nome; em 2004 recebeu a medalha “Martinico Prado” em homenagem comemorando a pessoa mais importante da cidade. E se ele foi uma pessoa tão importante para os seus conterrâneos, para ele a pessoa mais importante sempre foi a pessoa do Papa.

Eis porque guardava, como verdadeira relíquia, o solidéu de Pio XII que chegou às suas mãos, de presente. Além do mais, nada lhe causou honra maior do que ser fotografado conversando com o Papa João Paulo II. E isso nada mais era do que o verdadeiro e profundo conhecimento que ele tinha da história da Igreja e o profundo apreço e respeito para com o seu legítimo representante.



Pe. João Modesti ao lado de Sua Santidade o Papa João Paulo II


Mas se neste mundo tudo passa, e tudo passará, para o Pe. João Modesti sua epopéia estava também chegando ao fim. E porque a marca da sua vida cristã foi a profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus, o último empenho de suas aventuras ou façanhas foi a renovação interna da igreja, Santuário do Sagrado Coração, lugar centenário das suas orações de criança. E se a sua vida, ao chegar ao fim, estava coroada de méritos na Igreja e na Congregação que ele tanto amou, contradizendo a fama e o respeito que possuía na sua cidade e o reconhecimento dos milhares de ex-alunos espalhados por toda a sociedade e de todos os que o conheceram, estava a cruz do sofrimento que não o deixou ileso, pois apesar de malabarista em saber esquivar-se dos impasses da vida, nos seus últimos anos sofreu, e sofria muito. Sofria pela doença de coração; sofria pelo seu caráter intransigente, pois nem sempre dominava seu forte caráter, por vezes até mesmo de aparência autoritária, e sofria também porque alguns de seus confrades, pelo mal uso de poder, o fazia sofrer. Com efeito, amante das tradições, nem sempre aceitava as novidades mal interpretadas e muito pouco inteligentes da história. E tinha ele razão para tal? Acredito que sim.

E após essa maratona de sucesso e sofrimento, amanheceu também para ele, o homem das piadas engraçadamente sérias, o último dia da sua vida.

Era a manhã do sábado do dia 21 de maio de 2005. Pela sete da manhã daquele dia, disse a quem passara a noite com ele, que estava com dores no peito. Imediatamente foi-lhe chamado socorro, e mesmo dentro da ambulância lhe foram administrados os últimos sacramentos. Chegando ao hospital, três horas depois, morreu.

Seus funerais foram celebrados no mesmo Santuário cujo reitorado, exceto o diretorado de um outro diretor, ele exerceu durante todo o tempo em que viveu nesta comunidade religiosa de Araras.

Dom Augusto Zini, bispo diocesano desta Diocese de Limeira, veio para dar inicio à tal celebração. Após a noite de orações por ele, houve missa de corpo presente, seguida de uma sentida homenagem pela banda musical que ele mesmo fundara, executando as valsas de que ele mais apreciava, inclusive a intitulada “Saudades de Matão”. Em seguida, seu corpo foi levado pelo “corpo de bombeiros”, percorrendo todo e o mesmo trajeto que ele, por dez anos, fizera por receita médica. E o povo, numa demonstração de amizade e reconhecimento, esteve presente e respeitosamente choroso, em todo o desenrolar dos seus funerais. Após esses atos religiosos e de despedida amiga, foi sepultado nesse mesmo Santuário que ele sobremaneira amou, em frente e bem perto do altar de Nossa Senhora Imaculada, onde, dizia ele, começou sua vocação de ser padre.

Caríssimo leitor, não podia terminar esta panorâmica biografia mortuária sem apresentar minha admiração ao Pe. Tarcisio, atual diretor desta comunidade salesiana de Araras, pela atenção que ele deu ao Pe. Modesti. Não mediu sacrifício para minorar seu sofrimento, pessoa essa que o Pe. João Modesti estimava como ninguém.

Um aplauso sincero à sua sobrinha Fininha que sempre cuidou de seu tio como se fosse sua mãe.

Um cordial muito obrigado ao Fábio, seu admirador incondicional, e pelos auxílios na sua doença e nos seus funerais.

Vera, Deus lhe pague pela sua dedicação.

A todos, enfim, que sofreram conosco, uma prece ao céu por vocês.



*******



E antes do ponto final dessa reportagem de vida e de morte do protagonista desta carta mortuária, pedindo desculpas ao leitor pelo modo e estilo diferentes, coloco como parte da lembrança o que, pelos dez anos últimos de sua vida, diariamente notei, englobando o que panoramicamente se disse desse “ararense da gema”.

Eram mais ou menos nove horas dos dias úteis da semana. Com seu andar vagaroso ia ele, um tanto pensativo, parecendo levar consigo pungente saudade e saudosas recordações do seu tempo de criança.

Parecia também até mesmo levar profunda, para não dizer doridas recordações dos que ele conheceu, que partiram e que não voltam mais.

Talvez sentindo saudade, acredito eu, do seu terno de brim, paletó “a jaquetão”, modelo cultural daquela época, mas agora, infalivelmente engravatado, trajando roupa da atualidade e espargindo simplicidade, chapéu “a ramenzoni” caminhava ele sempre olhando pra frente como que dizendo que as coisas modernas ou passadas não lhe interessavam mais.

E lá ia ele expressando a quem ia e a quem vinha a aparência de um tanto cansado e um certo “não-me-importismo” com a moda mais ou menos extravagante da moçada da pós-modernidade.

Quem o via, não conhecendo, podia até mesmo pensar fosse ele alguém vagando por nada ter o que fazer, e por isso mesmo, passeando para passar o tempo.

Mas não era isso não, caríssimo leitor; suas andanças eram por receitas médicas. Ele não era, na verdade, alguém que perdeu o tempo tornando-se agora um andante para passar o tempo. Ele foi alguém que brilhou nos estudos, e que exceto em caligrafia, em todas as matérias tirava dez, e que levava com esmero sua missão de professor e de padre.

Diplomado por universidade européia, doutor em várias matérias, lecionou por quarenta anos em vários estabelecimentos do país, educando milhares de alunos.

Professor das mais complicadas matérias, quais sejam, matemática, física, química, filosofia, teologia, psicologia, professor também da Escritura Sagrada, e outras matérias que, por certo, lecionou também.

Grande conhecedor do sistema pedagógico de São João Bosco; conhecedor profundo da história da Igreja e fiel defensor do seu magistério. Além do que, amante da história do Brasil.

Totalmente dedicado a esse sistema, escreveu vários livros nessa área; e totalmente dedicado aos estudos, lecionou à vida inteira. Lecionou por saber e gostar de lecionar.

E como tudo passa e tudo passará, para ele o tempo também estava chegando ao fim. Mas apesar de doentio e cansado de viver, conservava seu semblante de artista nas piadas que contava alegrando seus amigos.

Com seus oitenta e cinco anos de idade, por vezes, parecia tristonho e quase julgando perdido seu tempo de tanto estudo e de tanto esforço em prol do Brasil juvenil.

Afinal, seria esse seu aparente modo de ser, uma nota verdadeira a respeito do protagonista desta apresentação? Acredito que não. Pois esse ararense da gema, caríssimos leitores, vocês sobejamente o conheceram: Foi o Pe. João Modesti, professor incansável na educação aprendida na escola de Dom Bosco, na qual sempre apostou por ser a escola de um santo.

Mas, se muito de leve, lhe tenha passado pela mente algo desmentindo o que sempre acreditou, a esse ararense da gema, Pe. João Modesti, envolto na minha gratidão e saudade, lhe digo:




Sua vida teve início no entusiasmo,
Traduzindo no semblante o seu ardor.
Duras lutas desfazia no sarcasmo,
Olvidando a voz madrasta d’uma dor.

Foi semeando sempre envolto da esperança,
Cultivando com amor e com carinho...
Mas, aos poucos, se ausentaram da lembrança
As aventuras que esperava em seu caminho.

Não importa se a semente não nasceu,
Nem se foi uma ilusão o sonho seu
De esperar da gratidão um só afeto.

Que importa tantas mágoas, tantas dores,
Se são gemas, se são rosas, se são flores
Fulgurando e colorindo o seu trajeto?!




Pe. Luiz Ignácio Bordignon Fernandes, SDB.


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DADOS PARA O NECROLÓGIO

Pe. João Modesti
Nasceu em Araras (SP), dia 21 de setembro de 1919
Faleceu em Araras (SP), aos 21 de maio de 2005
Com 85 anos de idade
66 anos de Profissão Religiosa.


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Impresso nas Oficinas da
ODEON GRÁFICA E EDITORA
Araras (SP) – Janeiro 2006

Tiragem 1.000 exemplares



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PADRE JOÃO MODESTI: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

Padre Doutor João Modesti — Diretor em Piracicaba (SP)

A todos os Católicos


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“Fora da VERDADE não há CARIDADE nem, muito menos, SALVAÇÃO!”

LUIZ ROBERTO TURATTI.



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