Rigor religioso
O cidadão entrou para uma ordem religiosa rigorosíssima. Trancafiado numa cela, tinha como única liberdade a ser exercida a cada cinco anos o direito de proferir duas palavras, quando visitado pelo reverendíssimo abade. O resto era só para as preces. Silenciosas também.
Passado o primeiro lustro da internação, numa batida à grade, os ferrolhos ruidosamente se abrem e o abade, cercado de seis truculentos frades-corretores, sorridente, dirige-se ao noviço:
- Fale, meu dileto discípulo, as duas palavras a que tens por direito divino proferir neste sacro recinto e sacro momento...
O noviço responde:
- Cela fria...
A porta se fecha. E mais cinco anos são passados, para a nova visita do abade:
- E então, filho dileto, exerce teu divino direito, concedido pela graça do Senhor...
- Comida horrorosa...
E a cena da visita volta a se repetir, vencido o terceiro lustro:
- Vamos, meu bom filho, é teu grande dia...
- Vou embora...!
Ao ouvir aquela tão surpreendente reação, o abade, colérico e descontrolado, vitupera:
- Também pudera, maldito incréu, o tempo todo reclamando de minha benevolência, só este fim mesmo se poderia esperar de um traste de tua laia...vai, vai para as profundas e probundas da perversão mundana...o fogo do inferno te espera...!
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