A Caminho de Santiago de Compostela
O que era para ser não foi
O que te fez assim belo e assustador?
Quem te pensou, não te criou para seres palco de dor
Qual foi o primeiro animal feroz em quem se espelhou o algoz?
O que deu errado?
Quem plantou aqui a semente do pecado?
O que é o diabo?
Como veio parar aqui?
O que realmente são patamares de elevação?
O que há para além da nossa compreensão
Por que o mundo tem que ser assim bom e ruim?
Que verdade existe para além da maldade?
Os deuses da antiguidade eram bons e ruins
Será que temos algo a ver com aquele jeito de ser?
Somos muito mais pagãos do que cristãos
Fazemos mais inimigos do que irmãos
Somos o avesso de dar a mão
Colocamos o irmão tão longe de nós quanto o Deus que concebemos
Está tão longe! Mal o conhecemos
O que é que somos?
Não é sério, nem mistério
É uma cópia mal copiada
Diante da Suma Perfeição, só restou a proporção:
Semelhantes, mas distantes
É tanta imperfeição
Até parece que no ato da criação o diabo também andou
pondo ali a sua mão
Deus tem pena de nós
Aceita a nossa humilde condição
São o que são
O céu é o limite que o homem sonha alcançar
Sem asas para voar, com medo de arriscar, fica-se no mesmo lugar
Aceita a cruz que veio aqui carregar
O mistério é o segredo
Do transcendental tem medo
Diz que acredita que há sorte, que há dita
Mas no fundo sabe bem o gosto amargo que fica na boca de quem acredita
Deixou-se vendar, sem visão, sabe bem onde foi parar
Onde o cego orgulho o fez chegar
Ainda resta um não sei quê que não o deixa ali ficar
As leis do Universo chegam para ajudar
É melhor acreditar na transcendência
Na origem da nossa existência
Acreditar em Sóis das alturas a encher de luz as pobres criaturas
Luz piedade, luz compaixão a ajudar os que vivem na tribulação
Sóis da mais alta dimensão a irradiar amor, bondade, caridade, aceitação
Isto está ao alcance da nossa compreensão
É esta irradiação que justifica toda a religião
Cada uma é um atalho para chegar mais perto e mais depressa
À irmandade celestial
Quem chega primeiro?
Deve ser aquele que dispensa barqueiro e dinheiro
Que sabe silenciar, que aprendeu a orar
Que aprendeu a falar com Deus e com os
seus
Uma religião singela e bela
Sábia como a natureza
Não duvida. Tem certeza
À mistura com a irradiação solar chega outra irradiação
Deus cristão, deus pagão todos eles são carvão
a alimentar a combustão
Sem crença abandonaríamos esta assistência
É disso que o diabo gosta, é ali que ele encosta
Fantasmas a chegar. A decretar o desterro
Sombras, assombrações
Não chamem por elas!
Sem proteção somos barco à deriva expostos a toda a maldição
Saiba levantar quem não consegue em suas pernas se sustentar
Ficar de pé agarrado à sua fé
Desviados da crença começamos a andar de marcha a ré
Os deuses precisam voltar,
Vestidos de astronautas, em naves espaciais, aterrissar
Para vermos que somos a eles semelhantes, mas distantes
Falta grandeza, falta realeza, falta nobreza, falta ética e ótica celestiais
O que veríamos seria o que falta para sermos a eles iguais
Toda a beleza da Terra, os dias que vão e vêm são a certeza maior de que
Há quem nos quer bem
Que a vida é muito mais
A Terra é uma escola
A vida que nos é dada faz parte do aprendizado
Nota dez significa, largar o fardo, ir além do fado
Dar à vida outro sentido
Expandir os limites, sair da prisão
Olhar a vida como um campo aberto à espera de ti, de mim, do irmão
Pegar ondas de fé
Surfar como quem acredita que para além da dita há uma praia bendita
“ A ilha dos amores”
Quem a esta praia chegar, fez a lição, aprendeu a navegar
Os deuses estão ali para junto com eles comemorar
Podem voltar, mas nunca para o mesmo lugar
Deus, céu, inferno ganharam outra dimensão, não são mais os mesmos, não são
Beberam, comeram, dançaram com os deuses, rodopiaram
Se embebedaram com o licor de Iracema
Ao acordar perceberam que tinham saído do calvário da alma pequena
Valeu a pena! Valeu a pena!
Valeu a pena fazer o Caminho de Santiago de Compostela para sair dela
Um caminho que representa a vida como ela é
Cheio de pedras, de pedregulhos
De vez em quando um lago de águas mansas a nos convidar para mergulhar
Entrai! Livrai-vos do suor e da dor
Fazei do gramado à beira do lago um varal para secar as feridas à mostra e escondidas
Ficai ali até chegar coragem para seguir viagem
O universo é encantador
Mais encantador seria se tivéssemos asas de condor
Voaríamos sobre os abismos: seriam formas espaciais lindas como as demais
Nada assustador
Os deuses deixam-nos sonhar e riem:
-Eles nem sabem que já sabem voar
Que o sonho já é real, falta só varrer o mal.
Mandar a poeira baixar em outro lugar
No reino universal há muitas moradas
Umas são de sonhar. A Terra é um bom lugar
Outras são de retirada
Retiros espirituais lugar para onde não se vai fazer nada
Lugar para onde se vai esperar o vendaval passar
Há aquele outro lugar que o homem espera alcançar
Agarrar a tal felicidade.
Trancá-la na gaiola e não mais a soltar
Ah! Mas a felicidade é una com a liberdade
É filha da caridade, a sua maior amiga chama-se bondade
Felicidade é um estado de espírito sempre a pedir mais
A sua maior rebeldia é vencer monstros medonhos que povoam os sonhos
É tentar adivinhar de onde vem o poder que o horror tem
É alargar os caminhos por onde passam os peregrinos
Por magia ou teimosia pula os montes, atravessa rios e fontes, desata a voar
Para a estrada de Santiago de Compostela alargar
Em Via Láctea se transformar
Ela sim sabe os peregrinos guiar
Ela é caminho por onde o peregrino deve passar
Estrada de Santiago, Via Láctea, uma galáxia onde se encontra o sistema solar
Agora ficou mais claro, todo o peregrino, vivo ou morto ali há de voltar
Todos temos que fazer este caminho: atravessar a Via Láctea
Porque o céu é um lugar para além da Via láctea aonde queremos chegar
Começamos a entender o que é peregrinar
O caminho de Santiago de Compostela é um caminho que se faz ao caminhar
Somos só peregrinos em busca de um bom lugar
Inconstantes, rebeldes, com vontade de chegar
A constelação Sete-estrelo é o guia seguro a guiar o peregrino no escuro
É um tesouro, a estrela mais brilhante chama-se olho de touro
Eternamente a brilhar, chama pelos peregrinos
Convida-os a dar ao sofrer um sentido mais nobre, menos pobre
Pede-lhes que deixem cair fardos pesados: culpas, medos e outros segredos
Manda-os mergulhar em águas mansas de rios cheios de calma
Lavar ali corpo e alma
Da floresta que atravessam extraem força, vigor e saúde interior
É sabido que a magia do caminho aterrissa devagarinho na mente e no coração do peregrino
Não tarda percebe-se aos pés do sol
Pede-lhe força e coragem para continuar a viagem
Precisa chegar, crescer, fazer-se um fio terra
Atravessa a atmosfera, sobe mais e já se vê perto da redenção
Percebe que anda a fazer o caminho da perfeição
Em plena viagem, mais adiante, vai ver o que falta fazer
Chegou aos confins do inferno, onde a noite é eterna e é sempre inverno
O fim de qualquer peregrinação é se encontrar frente a frente com quem se é realmente
Fica ali ajoelhado, nu, ensanguentado
Levanta os olhos para o céu, corre o véu, entra na Via Láctea, faz o caminho das estrelas,
Que lhe dão a mão. Não tarda verá onde Deus está. Como tudo se dá
Pode até chegar a ver aquele Deus em ação a ajudar o irmão
Curva-se diante do Sol Central
Não se perde em homenagens
Não há palavras com tamanha dimensão
Só olhos nos olhos, quem fala é o coração
Levanta-te e vai em nome do Pai
Voltam leves a sorrir por fora e por dentro
Desvendaram os segredos do firmamento
Vestem-se de Vieiras, o talismã de Vênus, a prova de que chegaram ao fim da Terra,
Ao fim de si mesmos. Leves de espírito estão prontos para voltar
Nunca mais serão os mesmos.
Sabem que são capazes de voar
Lita Moniz
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