Sábado de manhã, dia nublado e uma chuvinha fininha trazendo um friozinho com um convite para ficar em casa tomando um bom vinho, esperando um almoço bem quente.
Mas, como durante a semana não pude ir, reservei esta manhã para ficar no Lar Divino Ferreira Braga. Não sei porque esta mania de chamar asilo de Lar quando todos sabem que para ser um Lar tem que ter carinho, discussão, batidas na porta do banheiro para pedir economia de água ou de energia, e que para ser completo tem que ter criança correndo de um lado para outro, choramingando, fazendo pirraça e provocando sorrisos. Aqui tem carinho e dedicação, mas falta alguém para chamar de pai e de filho, de vô e vó, de tia e tio, falta o abraço de um irmão de verdade.
Na enfermaria sete mulheres acamadas escondidas sobre o cobertor pareciam nem respirar, doentes, na condição de abandonadas no lar e pelo Lar (família) já não conseguem esboçar um sorriso.
No corredor olhando a chuva cair como uma carícia de Deus derramada sobre suas imagens e semelhanças, Graça, sem uma das pernas coloca a língua pra fora, falando os mesmos palavrões de todos os dias e provocando a Nativa.
Nativa, com seu jeito ranzinza de não querer cumprimentar, até que a insistência consegue tirar um sorriso bonito do rosto marcado pelo tempo.
Em um canto, sentado em sua cadeira de rodas o Ari, sem uma das pernas e uns belos olhos azuis observa a todos com um sorriso, espera ainda encontrar uma companheira que o ajude a carregar a cruz que está muito pesada.
A Marlene que adora sorvete e quase não conversa.
Miguelita, atormentada pelo Stress não conversa e recebe o abraço com indiferença.
Tião, calado, se aproxima para receber um abraço e quando perguntado quem é o mais bonito do asilo responde sem titubear: - Eu.
Percorrendo os quartos, conversei com o Sr. Agenor que conta com um sorriso que uma garota gostosa visitou a casa.
Encontramos o Jonas, também sem as duas pernas, como sempre sentado à janela olhando para a rua como se esperasse alguém, observa o movimento e me faz voltar ao passado quando relembra quando era jovem, com seus setenta anos, faz questão de lembrar como enfrentou com coragem quando foi amputado.
Em uma cama de casal mãe e filha, ficando o dia inteiro juntas, Conceição e Maria da Conceição que repete tudo que ouve como um papagaio, passam dias e noites deitadas e é uma briga separa-las quando uma tem que ser levada ao médico.
Tentando ser engraçado para os que ainda têm um pouco de lucidez, esqueci e nem notei a falta de alguns que provavelmente estão internados no hospital.
São quarenta e cinco internos, os outros dormiam ou simplesmente fecharam os olhos como se estivessem se preparando para o silêncio derradeiro no meio de estranhos, porque para eles a família de verdade é apenas lembrança.
Este é o mais puro relato de um dia dos moradores de um asilo que vive de esmola e sofre o abandono generalizado dos parentes que nunca aparecem, o poder público que não ampara a juventude para que o futuro não seja igual, da comunidade que todos os domingos passa na frente para ir às igrejas de todos os credos e ainda não descobriram que Cristo mora ali.
E pena, tirando alguns que já não são mais visitas, porque, estão constantemente presentes e se doando por inteiro.
A grande maioria não entender que ali mora o futuro de quase todos.
Dos que ficaram sozinhos por um infortúnio ou porque não souberam educar os filhos e dos que souberam, mas os filhos tiveram que escolher entre a tranqüilidade e o asilo.
Insistimos não entender e aceitar a velhice, muito embora escolhemos envelhecer para não ter que enfrentar a morte na juventude.
Não sei se as coincidências ou os desígnios de Deus nos impulsiona, à tarde fui a uma reunião na Igreja São Francisco. A mensagem central foi chamar todos a evangelizar e fiz as seguintes anotações: entre aspas...
“Será que não há espinhos no coração do homem?”.
Será que não somos espinhos na vida dos nossos filhos?
Será que os filhos não estão sendo espinhos na vida dos pais?
“Será que não somos pedra de tropeço?”.
Quantas vezes somos pedras no nosso trabalho?
Na nossa comunidade?
Para o nosso vizinho?
Dentro da nossa própria casa.
Muitas vezes somos espinhos e devemos fazer de tudo para ser os que acompanham a rosa.
Devemos nos esforçar para sermos pedra de construção e nunca de tropeço.
Somos chamados todo instante para sermos testemunhas do milagre da vida.
E o milagre não acontece por acaso, é preciso interação do céu com a terra, do coração com o amor, da alma com o espírito que é Deus que continua nos falando em parábolas.
Precisamos querer entender.