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cronicas-->A despedida do guerreiro -- 02/08/2003 - 00:44 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A despedida do guerreiro


Os guerreiros não fazem alarde. Muitas vezes são maltrapilhos, trazem no rosto a cicatriz do vento frio. Implacável. Insistente. A teimosia do cão, tem o vento. E é assim que passam os guerreiros sobre o chão desse planeta. Em grande ventania. Causando um imenso vendaval no espirito daqueles por quem passam. Um redemoinho silencioso. De compreensão, evolução e paz. Deixando a intima certeza de que a vida tem sentido. Marcando esses espíritos com uma outra cicatriz. De vento.

Norberto era assim. Um guerreiro. Um bravo tardio. Num mundo atrasado. Dormente na certeza vã de que anda por pernas modernas. Andando por horas. Caminhando sobre minutos. Entre uma chuva de granizos. Colorida como barras numa historia em quadrinhos. Em cada quadrinho, os passos de Norberto. Rosto auto voltado. Como numa gravura onde o personagem puxa o colarinho da capa. Enfrentando um crepúsculo ventànico. Meio a todos. Mas sozinho.

A solidão, como amante, companheira, a que segreda, em voz de arrazoada sonoridade, "eu te amo, eu te amo". Engrenagens que se movem nesse repetir de sina, faina, amórfica. Eu te amo.

A doença veio cedo, antes da solidão que o abraçava. E ela, a doença, arraigou-se nas entranhas de seu corpo, hospedeira que sorvia seus sumos, aflita, sentindo-se aconchegada nesse quarto de hotel para o qual jamais foi consciamente convidada. Não havia consolo nas filas de atendimento. Não havia esperança nas filas das sopas. Toda a existência passou a ser uma fila. Muita gente nesse mundo de historias.

E de todos os que não eram amigos, Norberto foi separado. Sob o caustico do sol, seus passos foram conduzindo-o para uma fornalha de esgar e ódio. E quando a violência da exclusão o tomou por completo, levantando muralhas à frente, atras, dos lados, restou apenas o acima. Como misericórdia. Talvez divina. E foi por esse lanho que Norberto alçou-se, quedado. De triste e desesperado, para uma nesga de sol que tingia o assoalho. E os dedos desse sol carregaram-no montanhas invisíveis a picos de estertor atrozes.

Para Norberto, o excesso já era conhecido. Apenas mudavam os matizes. Filho sem pais, neto sem avós, amante sem amadas, vagou numa solidão insonte, vivendo de restos aqui e ali. Magro de dar dó. Gordo de asco. Oscilava entre o zero e o dez com a facilidade dos loucos. E sentado nas calçadas, escondia o rosto. Esmolar pão não é fácil. Via os pés dos transeuntes. E eles eram ocupados com a próprias vidas. E todo o mundo corria, política e ecologicamente correto. Em barras de mármore. Como numa fotonovela de luxo. Em cada quadro, uma cena de amor. Um riso furtivo. Mas, participante da historia em quadrinhos, não o era das fotonovelas coloridas que repousavam nas bancas de jornais. Cada personagem é escalado para um único papel e Norberto estava muito longe da banca. Por mais que tentasse pisar em outros cenários, de todos os bastidores era enxotado.

O frio do chão subiu raízes pela bunda de Norberto, entrevando-lhe ossos. Sua timidez ganhou espaços metamórficos dentro de seu corpo que já era pequeno para sua analgesia irreversível. E na cadeia alimentar, onde o mais forte finge que sobrevive, ele fazia parte de um relatório. O dos desesperados. E o mundo não sabia o que fazer com ele. Então, quando seus grunhidos faziam menos sentido do que houveram feito toda a reles vida, colheram-no na calçada do Anhangabau. Numa tarde de vento. Solitária. Como solitária é a vida. Também dos bravos, por mais frágeis.

- Era um moço que vivia ali. Eu passava por ele todos os dias.
- Um velho. Deve ter uns 60 anos.
- Um vagabundo bebum.
- Ah, gente despreparada.
- Preguiçosos imundos.

E na tabuletinha de "indigente", um varão esguio escreveu com os dedos finos "missão cumprida".

E o sol rompeu inteiro sobre a metrópole caiada de si mesmo.

L.Lima
- Para Manilu -






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