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cronicas-->Como Ciene morreu -- 18/08/2003 - 23:20 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Como Ciene morreu

Ciene perdeu todas as suas lembranças. Nasceu criança, viveu mocidade jovem, velha anciã quase morreu. Quando conheceu seu consorte, já era adulta e como acontece à natureza das gentes, com ele enredou-se e ficou prenhe. Dos dez filhos que lhe nasceram, três morreram na boca da vagina. Talvez de desnutrição morreram-lhe mais quatro. E com essa conta de sete, ficou com três. Uma menina moça e dois meninos homens. A menina, ó desinsorte, perdeu-se na vida e virou puta na boca dos outros. Revoltada com a pobreza, morreu na mão dos ricos. Mas já era moça feita, sabia do que andava fazendo. E por isso ninguém lhe acendeu vela branca. Dos meninos, Ciene chorou todas as lágrimas que tinha. Um pobre nasceu, pobre viveu. E assim ficou. Moço trabalhador, rapaz honesto, cristão cumpridor das obrigações de santo. Casado com uma pobre rica de sonho. Não lhe deu filhos. Se os desse, talvez que morressem. De barriga grande. Por causa dos pés nos chãos. Morridos pelas doenças da máquina da industria em que o mundo se transforma todo dia santo santo dia. Não se sabe como morreram os dois marido e mulher. Nem acredito que interesse, posto que não é parente meu nem de ninguém aqui. Mas Ciene perdeu um filho de uma forma insana mais que todos os outros filhos. Caçula, pobre e ambicioso, rompeu da vila em que nasceu, desmamado, sem olhar para trás, para tentar a vida. Foi na década de setenta, por época da construção da selva paulistana que esse sem nome saiu das saias de Ciene para o inverno da cidade que não o convidara para seus peitos. Talvez antes de chegar a suas tetas, ela o tenha renegado. E, nela, ele não encontrou o esteio que nunca deixou de ter no colo de Ciene.
E Ciene endoideceu dias a fio, amanhecida em lagrimas de sangue, desprovida do paladar do angu que tentava empurrar goela abaixo. Colocava pano na cabeça e corria ao correio, voltando de mãos vazias, sem noticias. Da preocupação, passou à revolta. Da revolta, à amargura. Da amargura, à saudade. Da saudade, à esperança. Da esperança, à contemplação. Da contemplação, à santidade. Da santidade, ao esquecimento.
Seu consorte perdeu-se nas labutas da mulher com os filhos. Foi o varão, o mantenedor, o corno mítico de uma deusa mãe que se acabou de realidade em amnésia. Como morreu, não se sabe. E, como no caso do filho e da mulher do filho, não importa. E o filho sem nome nunca mais apareceu. Mesmo depois que o consorte morreu. Mas Ciene. Ciene perdeu todas as suas lembranças. E, certa forma, todos perderam-se do amor.

L.Lima
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