Lembrança de amanhã
Amanhã de manhã o sol já não estará rindo, com a mesma cara estampada de agora. Vestido em cachecol, sem recordas de infància, todo o cinza estatelado no céu, como uma moldura envelhecida, uma foto de tempo muito antigo. E o café, mais amargo, frio e incoerente, fará meus pés pisarem assoalho gélido. Um corpo perfurado se vivenciará sozinho. Depois de amanhã, perceberei os olhos embotados, os risos amarelos que vagueiam meus minutos. Sempre estiveram ali. Mas o presente do hoje cegaram-me para o inferno que a realidade desse lado sempre houve por bem trazer em cada gesto. Sem cuidado.
O futuro perdeu as asas. Eram de cera, sempre disseram. Mas teu hálito afogueado, sempre em companhia de tuas mãos sapientes, carregaram-me para um crepúsculo pessoal onde arbustos eram árvores. Onde estrelas eram flores. Onde nada disso era um quadro pendurado numa parede embranquecida.
No dia seguinte ao depois de amanhã, ónibus estarão lotados, carregando não gente, mas gado. Obedientes a um sistema que me acena hora a mais. Depois desse dia, então, perderei a conta dos segundos em que fui feliz. E a morte será minha amante. Sutil, lúcida, apaixonada. Esperando-me na esquina em que meus pés, ainda frios, quedarão-se cansados. Vencidos. É assim o amanhã. E por mais que o seja, fecho a porta sem deixar bilhete de despedida, pois amadurecer é necessário e essa batalha é inadiável.
L.Lima
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