Eu sou uma alucinada, uma louca, inventando e inventando mil versões de mim mesma, causos e filosofias baratas. Eu sou uma doente, obcecada, lunática, declarando palavras estranhas, cometendo sacrilégios, proferindo o pecado, sob um caixote de madeira e uma luz na minha cara. Eu me profano, em altos brados, faço amor com a vida e vida com o amor. E eu declamo mentiras, atiro palavrãos e difamações, arranho a Verdade. Faço e falo tudo errado, cometendo erros graves de gramática escondidos e cometidos libertinosamente, por ser louca, solta, perdida entre o saudável e a sobrevivência. Eu não tenho medo de nada, por isso falo.
Há os que me ouvem. Alguns entendem, outros não. Uns me apontam, riem, ou levantam os narizes e voltam à s suas vidas, cheios de desprezo por mim. Uns se apaixonam e querem tanto me amar e fazer companhia, a companhia que secretamente já existe. Outros sequer me notam, sequer sabem que eu existo, e como existo, e como eu vivo e amo e odeio e falo, falo, falo, falo, cheia de esperanças vãs, de apostas perdidas. Todos passam por mim, sem nem me encostar, ou me interromper. Ninguém me toca. Deve ser medo, ou amor de menos, ou eu que estou longe de mais... E ninguém sabe que eu sou a pessoa mais mentirosa e contraditória nessa vida, a mais irónica e sarcástica, que tudo que falo deve ser ignorado, é besteira. Eu não sou louca não, eu não sou doente, muito pelo contrário. Eu não queria ter dito aquilo, não foi o que eu quis dizer, esquece o que eu disse, esquece tudo, me abraça, me tira daqui do alto, vamos amar apenas... Mas ninguém...