Trificante.
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Os jovens ficam com a maior naturalidade. E, no dia seguinte, a "ficada" da noite anterior é como se não tivesse acontecido. O que, aliás, é o óbvio, afinal, ficar não é assumir compromisso.
Permitam a minha incompreensão, eu sou meio sestroso com esse ímpeto juvenil. Conservador nas relações interpessoais e sossegado no meu canto. E até confesso uma certa ponta de inveja nesse "modus vivendi" dos adolescentes.
Na juventude nós ficávamos em uma conjuntura adversa. A minha geração foi jovem quando havia repressão. E muitos jovens ficaram... inclusive no xilindró. E outros ficaram e desapareceram e as notícias deles são confusas e contraditórias.
Nessa incipiente democracia brasileira os jovens ficam nas noites e os pais, como antigamente, ficam sem sono. Particularmente não antecipo tragédias nas improváveis peripécias dos embalos de sábado à noite. Sou conformado pela minha plausível condescendência. Acato pacientemente as evasivas respostas à s velhas e repetidas perguntas.
Afinal, o que é ficar? Até quando é ficar? Qual é o limite do fico? Eu posso ficar, mesmo com mais de 40 anos?
Entretanto, se o assunto é ficar, devemos retroceder ao dia 09 de janeiro de 1822. Há 181 anos veremos que D. Pedro foi um visionário. Muito tempo antes dessa galera que fica nas noites dos fins-de-semana, D. Pedro I foi o primeiro que ficou. E ficou com o Brasil. Sendo bem mais arrojado, corajoso e explícito, mandou avisar todo mundo com a célebre frase "Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação diga ao povo que fico".
Concluímos que o termo "covarde" usado recentemente, pela falta de ousadia dos ex-presidentes, não se enquadra ao primeiro mandatário do Brasil após a independência.
Podemos creditar a D. Pedro essa controvertida história de fico. Pensando bem... não sei seria uma boa idéia, mas não vamos, agora, culpar D. Pedro I por algumas improváveis e malsucedidas relações dos adolescentes do século XXI.
O certo é que o pequeno príncipe brasileiro ficou com o Brasil, com a Leopoldina, com a bailarina francesa Noémi Thierry, com a Domitila de Castro, que ele fez Marquesa de Santos, com a condessa e com praticamente qualquer mulher que visse pela frente.
Com esse baita nome "Pedro de Alcàntara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon" podia usar um nome a cada duas semanas e fazer um enorme sucesso com a galera da corte. Fico imaginando uma formosa mucama, na cama, chamando o imperador de Pascoalzinho.
Não quero reinventar a história, mas parece que um dos Andradas vivia dizendo com extremada preocupação: - Faz parte. Faz parte. - e balançava a cabeça em sinal de negação.
Outro dia, no hall de um edifício à espera do elevador, presenciei um diálogo entre duas jovens e sorridentes amigas.
- O Fernando é trificante. - comentava uma das beldades.
- Não seria o Fernando Beira-Mar um tra... ficante. - interpelei, intrometendo-me no assunto sem ser convidado e salientando o tra do traficante.
- Não! É o Fernando da 213, colega de cursinho. Ele é o máximo e é trificante.
Remoí aquelas palavras mentalmente.
- Trificante... trificante. - e, involuntariamente, transformei em uma pergunta.
- Trificante?
- É, trificante.
Não quis prolongar o assunto para não passar por ignorante, mas julguei, meio intuitivo, o que queria dizer esse trificante. Não se explica mas se entende.
E para encerrar a minha desastrada intromissão no diálogo. Disse que do meu ponto de vista eu era apenas "olhante". E até considerava a Gisele Bundchen a Daniela Cicarelli e a Jennifer Lopez, triolhantes. Na minha atual conjuntura nada além disso. Apenas triolhante. Não sei se me faço entender.
|