"Hoje resolvi escrever minha primeira crónica. Fui tomado por este espírito impulsivo de decisão, quando estava dentro do ónibus e entrava um daqueles "loucos" que ninguém conhece, mas que também , ninguém jamais esquece. Daqueles, presentes sempre nas cronicas, nas "cenas da cidade" , na rodoviária de Chico Buarque, aqueles que "assumem formas mil". Tratava-se o meu, de um sujeito maltrapilho(pra variar), cheio de trejeitos, talvez em função de alguma doença, na melhor das hipóteses, pois à s vezes penso que tais tremeliques são a falta de possibilidades na vida, consequência do desespero que acaba enlouquecendo. Assim que ele começa a falar, aliás, tentar falar, os lindos cabelos loiros e as peles macias de neném, mudam de direção olhando para a janela, fingindo que aquele sujeito não está ali. Olho fixamente nos seus olhos, tento ler os lábios e escutar alguma coisa. Com muito esforço ele consegue dizer as primeiras frases:
- cari.. cari... caridade! Pelo amor de Deus! Alguém precisa me ajudar!
Mas só eu sei que ninguém pode ajudar. Nem aqueles que dão dinheiro, muito menos aqueles que não dão. A verdade é que o ónibus está indo para outro lugar, pra casa, pra sala, pro quarto, pro muro individualista de cada um. Nessa hora, ninguém perde a fome, nem o compromisso. Ninguém quer parar a engrenagem que faz funcionar esse brinquedo chamado tempo. Ninguém quer perder tempo com quem está tentando recuperar o tempo perdido. Mas o tempo é pra brincar. Não levem a vida tão a sério. As belas pernas da mulher bonita nunca passarão despercebidas. Ninguém deixa de fazer o que faz, ninguém deixa de ser o que é uma vez na vida. Meu Deus! Uma criatura semelhante a mim esquecido e perdido dentro dos ónibus de uma cidade da América Latina, Dentro de um Brasil indiferente, dentro de um planetinha ingrato, um universo imundo, de propriedade de um Deus omisso, calado.
Tratam o pobre como animal. Esse anónimo dentro do ónibus, está falando para uma platéia de estátuas, um bando de ilhas sentadas com seus perfumes e podres ambições, carentes de poesia e sedentas de alma. Meus olhos encheram-se de lágrimas. O passageiro ao lado, curioso com meus olhos vermelhos, pergunta se estou chorando. Não. É cisco no olho, respondo. Desço na parada e vou pra casa, comer do bom e do melhor" ALEXANDRE MEDEIROS - 12/08/97