Obs.: Escrevi este texto uns dois meses antes da invasão do Iraque. Por seu caráter profético (mas quem não o era naqueles dias!) divulgo-o aqui, sabendo que a horda de morituros continuará indefinidamente, sempre que os déspotas se sentirem ameaçados...
O termo morituro está no dicionário e significa aquele que vai morrer. É quase latim. Alguns escritores relataram situações mais ou menos parecidas com esta minha, versando o mesmo tema: crónica de uma morte anunciada, sendo a de Gabriel Garcia Marques, a mais famosa e contemporànea.
Na Roma antiga, os gladiadores saudavam o imperador gritando a célebre frase: Ave, Caesar, morituri te salutant. Traduzida (salve, César, os que vão morrer te saúdam), quer dizer que sabiam que entre eles muitos morreriam, pois a luta era de morte! Quem perdia, tinha de ser sacrificado. Disso tinham certeza, mas nada podiam fazer para evitá-la.
Do mesmo modo, nas tragédias gregas, desde o início, o espectador é avisado de que tal personagem vai morrer. Todas as cenas caminham nessa direção, mas nada existe que se possa fazer para interromper a tragédia anunciada. É a inexorabilidade do destino.
Estamos vivendo uma espécie de tragédia grega. O povo iraquiano é o morituro de nossa história. Todos, ou quase todos, especialmente os inocentes e crianças, sabem que vão morrer, de morte matada, dentro em breve, sob os escombros de milhões de toneladas de bombas e foguetes mortíferos. O que é pior: grande parte do mundo dito civilizado anseia por isso!
Por trás dessas bombas há uma longa história trágica de arrogància e prepotência, culminando sempre em genocídio seguido de saques e pilhagens, que a gente boa, honesta e pacífica de toda parte abomina e quer evitar, mas nada pode fazer.
Os bárbaros de antigamente agora falam inglês, o idioma de Shakespeare, que se ainda estivesse por aqui certamente escreveria mais uma de suas brilhantes tragédias, numa espécie de reportagem ao vivo.
O povo que vai morrer, e nós sabemos disso, vive pacificamente, a despeito de seu governante, nas mesmas terras onde outrora viveram os assírios e babilónios, no vale fértil entre os rios Tigre e Eufrates; no mesmo lugar onde os hebreus padeceram sob forte exílio imposto por Nabucodonozor. Deve ser vingança tardia dos israelitas...
Só que os morituros do Eufrates de agora nem contam com quem lhes chore a sorte: Sóbolos rios que vão por Babilónia me achei, onde sentado chorei...(Camões).