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cronicas-->Antero de Queiroz (arteriosclerose) -- 01/10/2000 - 08:58 (ida lehner de almeida ramos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A n t e r o d e Q u e i r o z

Longe de mim escrever sobre Antero de Quental, de quem confesso não me lembrar da biografia, a não ser de alguns dados que me ficaram quando do estudo da literatura dos conterràneos de Camões. Assim, não elaboro aqui qualquer ensaio em que seja a figura principal o ilustríssimo senhor, ou outro Antero qualquer, mesmo que envergue o nome pomposo de Antero de Queiroz. Não, o caso é outro.
É evidente que o linguajar de nosso povo (e de outros também) faz parecer brincadeira qualquer regra, qualquer preceito gramatical. Certas expressões, tão ao gosto popular, às vezes passam a fazer parte do vocabulário da língua. Cito o exemplo do "de menor" que, segundo parece, não mede esforços para se incorporar ao nosso glossário, haja vista o uso, por parte de certos cidadãos de bom tom que enchem a boca para empregá--lo, sem notar que ressoa tão mal nos ouvidos alheios.
O que desejo é ressaltar o caso de boníssima criatura, conhecida de anos atrás e a quem deveria eu mais inúmeros favores, além dos que me fez em vida, não fosse ela já morta e enterrada há muito tempo. Era uma vizinha, feia de rosto mas encantadora de alma, que não media trabalhos para me servir. Dia de feira, lá se ia com o carrinho fazer suas compras e as minhas também. Dia de açougue, pegava sempre carne bem escolhida e sangrenta para nós duas; dia de peixe, adquiria o pescado para ambas, observando sempre os olhinhos brilhantes e as guelras rosadas
Mas não julguem que o fazia por falta do que fazer. Trazia a casa que era um brinco, de tanto lavar e polir. Do mesmo modo que eu merecia seus favores, também os estendia aos membros de sua grande família. Solteira, com mais de sessenta anos, cuidava com mão acolhedora de mais uma irmã, solteira como ela, e de um sobrinho. Fazia o repasto (almoço e jantar) para o irmão que morava na casa ao lado, mais a muilher e quatro filhos. Estava sempre com uma malga bem reforçada para um irmã, de casa próxima também, mais o marido e dois filhos; e destinava uma boa quantia de comida para mais mais outra irmã, que residia um bocadinho mais longe, com três rebentos; e, ainda, alimentava um irmão, este pai de dois. E o melhor doce, a melhor fruta, não ficavam para si própria, e sim para qualquer dos sobrinhos, todos eles do coração. Presenteava-nos frequentemente com um prato de pastéis, recém saídos da frigideira, encorpados de recheio saboroso e com a massa fina e pururuca, como só ela sabia fazer.
O que contei acima justifica, pelo grau de admiração e respeito que tinha para com ela, o relato não impiedoso, nada crítico, que faço a respeito dessa grande amiga. Também, por favor, não julguem falta de gratidão, colocando-a entre os meus excluídos, por ser pessoa simples, sem muita instrução. Aliás, realmente, ninguém é excluído para mim. Apenas esclareço aqui que nunca sorri por causa da pessoa, e sim pelo que lhe saía dos lábios, um vocabulário próprio, por ela criado, e às vezes de difícil interpretação. Quantas vezes sugeri a meu marido que anotássemos na agenda as palavras esdrúxulas pronunciadas por ela, o que nunca se efetivou, quem sabe por um resquício de íntimo remorso, justamente para com uma criatura que só faltava jogar-se a nossos pés para nos servir.
Bem, um belo dia, a boa vizinha saiu-se com esta. Soubera que uma pessoa de suas relações estava com "antero de queiroz", e não andava passando nada bem.
Disse-o compungidamente. Embora nada entendêssemos, nem eu, nem meu marido, sequer nos entreolhamos, como se existisse um acordo tácito ante uma situação semelhante. Vontade de rir, penitencio-me, eu tive, O jeito era fazer cara de paisagem ou de compunção solidária.
Quando ela saiu, fez-se o debate a dois. O que estava querendo dizer com a expressão? Ele, meu marido, aceitou-a como um mal que tinha acometido a referida pessoa, com o que concordei plenamente, em gênero e grau. Sim, pois se a pessoa "não andava passando nada bem", só podia ser a denominação de uma doença grave. Mas qual?
Demos tratos à bola, sem conseguir desvendar o mistério. Perguntar à amiga não ficaria bem, agora, decorridas horas após o pronunciamento. Depois, muitas vezes, como sempre o fazia, ela esteve em nosso lar, repetindo a mesma frase, ao dar as novas acerca do estado de saúde da pessoa querida. E, pelos sintomas apresentados pela vítima da inusitada moléstia, acorreu-nos aos poucos, muito lentamente, a solução do problema, o que nos motivou (confesso-o agora) a dar algumas sonoras e boas gargalhadas.
"Antero de Queiroz" era nada mais, nada menos, que a terrível, progressiva e tenaz arteriosclerose.
Boa amiga, onde estiver, tenha a melhor proteção divina. Você deve estar em lugar excelente, em vista de sua extrema dedicação e bondade, não só para
com os seus parentes, mas para com todos que não lhe eram irmãos de sangue.
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Ida Lehner de Almeida Ramos

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