Havia cobras no jardim. Muitos desenhos de fadas perdidos entre as árvores. O barulho do riacho proporcionava a sensação de paz. Lá fora, a neblina tomava conta do vale. Coisa alguma parecia ter sentido. Como se os dias fossem de tristeza.
O menino moldava com o barro. Belezas imensuráveis. Ele podia criar qualquer coisa. Não havia o conceito de estranho, de absurdo, de bizarro. Tudo, em verdade, era uma realidade começada ali, nas mãos do menino. Ainda deitado em sua cama, antes de dormir, ele olhava seus brinquedos. Um ser alado, com chifres, de halo iluminado, corpo vermelho, feições de raiva. Um monte de outros seres pequeninos, também alados, mas sem chifres, de corpos branco-azulados. Feições de bobalhões. Havia outros seres inimagináveis. Estava cansado de tanta coisa igual. Em seu coração, um desejo. O de moldar algo diferente. Uma canção suave parecia vir de algum canto. Não sabia de onde era, mas mesmo assim adormeceu.
Criou muitas coisas depois que acordou. Dois seres iguais em essência mas diferentes na forma, eram os principais. Foi tirando da canastra alguns badulaques e foi enfeitando a maquete que ficava ao lado da cama. Desejava que aquelas coisas pudessem se respirar e se mover, que fossem como ele, que moldassem como ele.
Colocou toda a maquete dentro de um saco plástico transparente. Lá dentro, tudo estava misturado - até os seres de asas, tanto os vermelhos como os branco-azulados. Ficou olhando aquilo tudo por um bom tempo. As cores o encantavam. Estava cansado de brincar. Queria dormir. Tropeçou na serpente de pelúcia que lhe servia de travesseiro. Jogou-a dentro do saco plástico. Misturou tudo mais ainda e resolveu fechar o saco. Teve medo de tropeçar nele caso fosse acometido de alguma crise de sonambulismo. Pendurou o saco no teto, como um móbile. Tomou um pouco de leite. Estava azedo. Seu estómago era muito frágil. Um vento noroeste passou rasteiro, frio, lépido. Era Janeiro por aquelas bandas.
Morreu naquele tempo mesmo. Antes, olhou para o móbile e desejou viver ali dentro. Para sempre.
Suspirou. O suspiro foi tão forte que balançou o móbile. Nunca encontraram seu corpo. Apenas o móbile balançava de um lado para outro no meio do quarto vazio cheio de estrelas. Até hoje o quarto vive fechado.