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cronicas-->Seleção -- 07/03/2004 - 21:03 (Manoel Carlos Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A evolução das espécies é uma questão absolutamente fora de minha área de conhecimento.
É um incómodo, pois é um assunto que diz respeito a todos nós, seres vivos.
E ser ignorante em questão tão importante, mais que um incómodo é um constrangimento.
É claro que todos nós - não todos os seres vivos, apenas os humanos - temos noção, ou vaga idéia, da teoria evolutiva em vigor.
A variabilidade e a adaptabilidade são importantes.
É a variabilidade que proporciona o surgimento de mutações, enquanto a adaptabilidade permite o sucesso de novas espécies.
Uma combinação de tudo isto resulta na seleção natural.
Se tudo que foi dito até o momento estiver incorreto, apenas duas hipóteses justificam a abordagem: eu estava na aula concentrado em decidir o campeonato de futebol de salão, enquanto ouvia um zumbido, muito vago, vindo do professor; ou a explicação foi dada por uma professora e eu avaliava que seria muito mais útil e prático se ela estivesse a dar aula de anatomia comparada, fazendo de mim um báquico.
Seja qual for o conceito de seleção natural, se ele existe é porque há outro processo de seleção não-natural.
Seleção social, quem sabe?
Ainda baseado em minha incomparável ignorància em Biologia, lembro que o processo de seleção, mesmo tratando de indivíduos, apenas se configura quando surge um grupo com algumas características comuns, consideradas determinantes para a sua preservação.
Para alívio de quem teve a paciência de ver reveladas todas as minhas inexatas, imprecisas e incorretas noções de Biologia, tratemos apenas de seleção não-natural.
Analisemos um grupo que tem um comportamento padrão, homogêneo, como os motoristas do denominado transporte alternativo, isto é, os kombeiros ou perueiros, como dizem os paulistas.
Consideremos verdadeiras duas premissas: o acaso não existe, as relações sociais são causais, ou seja, com causas e efeitos; os referidos motoristas dirigem rigorosamente da mesma forma.
Com base nestas premissas, podemos concluir que os citados motoristas são resultantes de um processo de seleção não-natural.
Como se dá este processo seletivo?
Ensimesmado, cogitei que há um mecanismo, absolutamente científico de seleção.
Imaginei-me responsável por tal processo, a elaborar um roteiro de avaliação dos candidatos a, digamos, kombeiro.
Neste roteiro, haveria algumas perguntas que o avaliador deveria responder utilizando três alternativas: sim, talvez e não.
O talvez é polêmico, mas necessário.
Embora introduza uma subjetividade à avaliação, o talvez permite que o avaliador possa expressar o mais ou menos, o pode ser, o nem tanto e o próprio sabe-se lá!
O preenchimento do formulário não precisaria ser feito numa entrevista, poderia ser feito a partir da observação de um teste de campo, ou seja, soltar o candidato dirigindo numa linha semi-regulamentada, seguí-lo e, ao fim do dia, entregar o formulário de avaliação ao responsável, provavelmente alguém que jamais tenha exercido ou venha a exercer alguma função em qualquer órgão governamental.
Como já foi dito, o formulário constaria de algumas perguntas, de uma atribuição de pontos e de uma avaliação final.
A pontuação seria muito simples: dois pontos para cada sim, um ponto para cada talvez e zero ponto para cada não.

Perguntas

1. O candidato jamais ouviu falar em espelho retrovisor e seta?
2. O candidato mantém o pisca-alerta sempre ligado?
3. Em noventa e oito por cento das vezes que deveria usar o freio, o candidato usou o acelerador?
4. Das vezes que usou o freio, o candidato o fez inopinadamente?
5. O candidato sempre estaciona no meio da rua atrapalhando o trànsito?
6. Sendo rua de mão dupla, o candidato fez o tipo de parada descrita na questão anterior para algo muito importante como conversar com o colega que estava em sentido contrário?
7. Todas as vezes que viu uma possível candidata a, digamos, namorada o candidato freou, deu uma cantada grosseira e arrancou olhando sempre para trás?
8. Ao dar partida, invarialmente o candidato arranca "puxando" o veículo para a esquerda?
9. Se está parado, o candidato espera o momento oportuno para partir, preferencialmente se algum veículo o estiver ultrapassando e, melhor ainda, vier algum veículo se aproximando em sentido contrário?
10. Ao menos uma vez em cada viagem, o candidato desceu repentinamente do veículo, escancarou a porta e ignorou que havia outros veículos trafegando?
11. O candidato fez ultrapassagens em curvas, sem visão do que poderia vir em sentido contrário?
12. Em um dos raros momentos que o candidato dirigia a baixa velocidade, ele acelerou no instante que algum veículo iniciou a sua ultrapassagem?
13. Ele criou situações para discutir com motoristas de ónibus e táxi?
14. Sempre que parou próximo a uma cabine da Polícia Militar, o candidato aproveitou para exigir um aperto no fulaninho que não está participando da caixinha?
15. O candidato buzinou insistentemente ao passar em frente a hospitais e escolas?

Avaliação

De 0 a 15 pontos
Conceito
Incapacidade permanente.
Justificativa
O candidato é uma séria ameaça à estabilidade do transporte alternativo.
Ação do avaliador
Preenchimento da circular impedindo que o candidato possa sequer candidatar-se outra vez.
De 16 a 20 pontos
Conceito
Incapacidade temporária.
Justificativa
O candidato não demonstra aptidão para o serviço. Na falta de candidatos poderá se candidatar após seis meses.
Ação do avaliador
Entregar ao candidato um formulário para novo teste em seis meses, mas ficar atento, pois se o candidato fraudar o documento deverá contar com a benevolência do avaliador na próxima vez.
De 21 a 25 Pontos
Conceito
Apto com ressalva
Justificativa
O candidato precisa adquirir algumas manhas da profissão
Ação do avaliador
Encaminhar o candidato ao ponto de táxi do Aeroporto Santos Dumond ou da Rodoviária Novo Rio para um estágio de um mês, após o qual o candidato será considerado apto sem necessidade de nova avaliação.
De 26 a 30 pontos
Conceito
Apto.
Justificativa
Sabe tudo!
Ação do avaliador
Fazer um contrato, ou melhor, um trato com o candidato, soltando-o imediatamente nas ruas.

Manoel Carlos Pinheiro
http://www.agrestino.blogger.com.br/
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