O lambe-lambe era o fotógrafo ambulante que andava com um enorme troço a que chamava de máquina fotográfica. Vivia em jardins e parques paulistanos, esperando freguesia, geralmente um casal enamorado, uma mãe e uma criança, um casal de velhos, moças bonitas, rapazes sérios... O lambe-lambe vivia da vaidade e do desejo da ímortalidade de cada um. Cobrava seus tostões, vivia mal-vestido, comia um sanduíche e fechava o expediente quando o sol se punha. Sem luz natural, ele e sua máquina não funcionavam.
Sempre tinha um paletó claro para colocar no freguês que vinha para uma foto 3X4, em mangas de camisa; também não se esquecia da gravata, que colocava no colarinho do homem. O lambe-lambe era italiano, cantarolava quando estava sozinho, parava e ficava bem atento quando percebia a possibilidade de fotografar alguém. Estava sempre disposto a guardar suas sementinhas de girassol no bolso e se ocupar do freguês ou fregueses a serem fotografados.
Estou descrevendo um tempo que logo terminou. Eu teria uns sete ou oito anos de idade, talvez dez, quando os últimos lambe-lambe foram desaparecendo. Ainda me lembro deles, pois minha mãe gostava de se fotografar comigo, uma menininha que olhava brava para aquela máquina coberta de pano preto. E tinha medo do homem que entrava de cabeça por baixo do pano preto, saía de lá com um sorriso pregado na boca, apertava uma coisinha ao fim de um fio e dizia - Pronto!
As fotos saíam bem. O material fotográfico era bom, importado. O homem cobrava na hora, molhava o dedo indicador para ir retirar o troco de um maço de notas velhas e amassadas. Exibia sua fortuna à luz do dia. Não haveria assaltos naquele tempo...
O lambe-lambe acabou. Ficou uma das fotos. Olho para esta foto tentando me lembrar da cor do meu casaquinho. Lembro da gola, redonda e de veludo. Lembro que nao gostava do veludo roçando meu pescoço. Me dava umas cócegas ou um arrepio, não sei, mas me incomodava. Criança não tinha muita vez pra reclamações - o casaco era bonitinho, dizia minha mãe. Apesar de eu reclamar da gola.
Acho que depois da foto andamos pelo parque. A foto foi mostrada para o meu pai, de noite. Ele ficou muito contente e disse que eu era uma graça. Elogiou minha mãe, sua beleza, sua postura. E fomos dormir, contentes e felizes com a bela contribuição de um lambe-lambe italiano à felicidade geral da nação.