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cronicas-->Motel em Dia dos Namorados -- 26/06/2004 - 22:23 (Alessandro Ramos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tereza cerrou os olhos depois de atender mais um cliente e após o carro entrar no estabelecimento ela murmurou uma oração. Dentro de seu guichê frio, ouvia o que o pastor dizia na rádio sobre o amor verdadeiro, e segurava firme sua bíblia. Cabelo vermelho, rosto sardento, os dentes grandes ficam para fora da boca que mesmo fechada não consegue ocultá-los. Do que importa sua aparência, já que seu corpo é de Jesus, e este não vê beleza em corpos, e sim em espíritos?

A campanha publicitária daquele famoso motel para o Dia dos Namorados deu bons resultados, pois mesmo a grande fila que se esticava para além do estabelecimento da Rodovia dos Minérios não é capaz de desanimar os que esperam para conseguir entrar. A casa estava lotada de casais apaixonados comemorando seu dia, muitos embrabecidos com o insultuoso comunicado da placa postada na entrada: "Excepcionalmente Hoje: Somente Períodos de Duas Horas".

- Puxa! Não vamos poder dormir aqui. - Reclamou um dos fregueses que aguardava sua vez no carro, ao que sua namorada respondeu: - É que os motéis têm sua maior procura nesse dia, e para atender a todos, tem que encurtar os períodos. - O homem olhou para ela com cinismo. - Se for só pra dar uma rapidinha, vamos lá pro meio do mato que não custa nada. - Com os braços cruzados, fazendo bico, sua bonita companheira resmungou: - Você não sabe ser romàntico.

Romantismo era o que levava aquela pequena frota ao motel no Dia dos Namorados. O desejo de agradar a parceria com um momento agradável ia além do que o comércio sugeria para a data, afinal, é muito mais económico agradar quem ama nos dias comemorativos do que fazer isso o ano todo.

E esse desejo de agradar apagava qualquer constrangimento que pudesse acontecer. Era isso o que podia ser visto no casal que estava de pé no meio da fila de carros. O rapaz não largava a mão da namorada, e suas beijocas eram iluminadas pela luz dos faróis alheios. Quando a fila andava era que surgia desconforto maior, pois a suposta falta de noção espacial do motorista que estava atrás do casal muitas vezes levava a esbarrões doloridos em suas pernas. Porém já tinha sido bastante custoso o pagamento de um táxi para aquela rodovia de difícil acesso, sequer pensavam em manter o custo do veículo até conseguirem entrar no motel. Apesar disso tudo, um sorriso apaixonado embelezava a face da moça, encantada com o esforço do namorado para satisfazê-la.

Mas nem todos naquela fila esperavam com a mesma paciência. Um homem de meia idade e roupas esporte estava fora do carro, encostado no veículo fumando lentamente um cigarro. Sua esposa que permanecia dentro se distraía trocando as estações do rádio, detestava o cheiro do fumo, e não queria acompanhar o marido. Um segundo rapaz apareceu pedindo fogo ao fumante, e houve a seguinte conversa:

- Um saco esperar aqui, não? - Disse o segundo, acendendo seu cigarro.
- Pois é. Estava pensando no tempo que estou perdendo aqui. Tinha pensado em alugar alguns filmes para assistir nesta, mas minha esposa insistiu para que eu a trouxesse aqui. Humpft! É como se, estando num motel, eu fosse obrigado a transar com ela.
- Qual é seu nome? - Perguntou o homem, dando a primeira baforada, com especial interesse pelo último dito.
- Celso, e você?
- Aldo. Há quanto tempo é casado?
- Quatorze anos. - Havia pesar na voz de Celso ao dizer isso. Balançou a cabeça, como se toda a sua vida estivesse passando pela sua mente naquele momento.
- É... - prosseguiu Aldo - difícil passar tanto tempo com a mesma pessoa, né? Veja a minha esposa, por exemplo: estou casado a sete anos, ela é maravilhosa, companheira, carinhosa, um furacão na cama! Mas enjoei de transar sempre com ela. Não que tenha piorado, mas é sempre o mesmo gemido, a mesma rebolada...
- Tua esposa rebola na transa? - interrompeu Celso com surpresa. Jogou a bituca do cigarro no chão e virou-se para Aldo esperando a resposta com bastante interesse.
- Ah! Sim... E como! Ela sobe em mim e mexe muito bem. O que tua esposa faz de interessante, neste sentido?
- Bom... Ela é um tanto quanto parada, mas atende a todos os meus pedidos com bastante prazer.
- Nossa! Até lá? - fez um pequeno círculo com o dedo indicador e o dedão.
- É, sim, até lá.
- Hm... Posso dar uma olhadinha nela?
- Claro! Fique a vontade. - Celso desencostou do carro com cortesia, e Aldo olhou pela janela. Paloma, a esposa, olhou-o com estranheza, sem saber o que fazia lá.
- Ela é bonitona, heim?
- Que isso? Delicadeza tua.
- Verdade. Escute. A minha esposa está no carro. É bastante atraente também, não tem muito peito, mas sua traseira compensa qualquer outra falta. E garanto que ela tem o melhor desempenho oral que você poderia querer.
- Ahn? O que está querendo dizer?
- Bom... - Aldo se aproximou, e colocou a mão no ombro de Celso. - Você e sua esposa já fizeram troca de casais?
- Não... Uma vez ela me mostrou um artigo numa revista falando sobre o assunto, até conversamos sobre isso, mas não rolou ainda.
- Pois é. A minha esposa e eu já conversamos sobre isso também. Ela pareceu interessada. O que acha de trocarmos de mulher hoje?
- Posso conversar com a Paloma, talvez ela tope.
- Ok! - Aldo mostrou bastante empolgação. - Estou naquele Ka verde ali na frente. Vou conversar com minha mulher e já volto aqui para dar uma resposta.
- Beleza, vou conversar com a minha também.

Celso entrou no carro com o mesmo sorriso que sempre usou para pedir algo libidinosa a Paloma, e começou a falar de Aldo. A mulher rejeitou a proposta de imediato, mas conforme seu marido foi argumentando, ia pensando se não seria uma boa idéia, afinal, talvez Aldo tivesse os dotes com que ela sempre sonhara, e até teve a expectativa de que ele não dormisse logo após o gozo. Por fim aceitou, e dentro de 10 minutos após ter voltado para seu carro, Aldo reapareceu feliz, dizendo a Celso que conseguira convencer sua esposa. Celso passou a chave de seu carro ao seu novo amigo, que fez o mesmo, e foi contente ao Ka verde conhecer a companheira que teria naquela noite, e olhando a mulher pela primeira vez, teve a impressão de que não se decepcionaria.

Aventuras calorosas como essa era o que muitos na fila esperavam, mesmo que fosse apenas na promessa de mudança de ambiente oferecida pelo motel. mas alguns aventureiros não estavam tão confortáveis com a situação, como um homem que ficou o tempo todo abaixado dentro do carro; não se ajeitava no assento nem para tomar seu lugar na fila quando essa andava, o que causava alguns acidentes com o casal que estava sem carro a sua frente. A moça que estava ao seu lado era na verdade sua amante, e ele temia que passasse algum conhecido por lá e o visse na entrada do motel com outra mulher. Ela, que já não gostava de sua posição como "a outra", ficou ainda mais chateada com o comportamento de seu parceiro. Quando um velhinho passou oferecendo pipoca doce, ela escancarou a porta do carro, desceu, chamou o sujeito pelo nome completo em voz alta e perguntou se ele tinha trocados para pagar o doce. O coitado meteu a cabeça por dentro da blusa, virou de costas para a porta aberta num medo exagerado, escorregou a mão num dos bolsos da calça e deu à mulher algumas moedas.

O velhinho não estranhou tal atitude, passou a vida como andarilho e já tinha visto muitas coisas. A idéia de tentar conseguir algum dinheiro na frente do estabelecimento veio de um amigo que ouviu no rádio que o Dia dos Namorados tinha a maior procura por motéis. Era um vendedor experiente, e conseguiu alcançar o Alfa Romeo vermelho que saía do motel, e ainda vender cinco pacotes de pipoca doce para o casal que lá estava.

A saída deste carro causou irritação à Tereza, a moça do guichê, pois quem nele estava deixaram vaga uma das suítes presidenciais. Devido ao preço alto os ocupantes do primeiro carro se recusaram a ocupar este quarto, assim como os do segundo e do terceiro. Tereza teria que, pela quarta vez naqula noite, sair de carro em carro perguntando se alguém aceitaria o cómodo. Agarrou sua bíblia e começou a fazer o que era necessário. Até assistiu a uma discussão entre um casal, onde a moça pedia para o namorado aceitar o convite, e o rapaz argumentava que não entraria no cheque especial por um "moquicinho com piscina". Os olhos de Tereza crispavam para cada casal. Via-os, em geral, como crias do inferno, praticantes da fornicação e da esbórnia, e sentia repulsa pelo seu trabalho, mas o ordenado era necessário para ela, e segurou firme seu livro sagrado e continuou a perguntar. Teve que respirar fundo quando viu um carro com os vidros embaçados, no meio da fila, balançando para frente para e para trás. A última coisa que passou pela sua cabeça era o que realmente acontecia: a moça dentro do veículo procurava junto com seu companheiro os óculos que caíra. Sem mais paciência, Tereza começou a questionar apenas os ocupantes dos automóveis mais valiosos, e logo conseguiu hóspedes para o quarto vago.

Vendo que um carro saiu da fila e foi direto para dentro do motel, Valdir, que estava há apenas dez minutos na fila e já tinha perdido a paciência, enraiveceu-se. Começou a vociferar, batendo as mãos no volante. Sua esposa tentou acalmá-lo, dizendo que quem furava a fila, de certo, tinha reserva. Mas o homem não quis argumentos, e nervoso, botou seu carro para soltar uma alonga e aguda buzinada. Pegando o espírito do ato, o motorista de um carro próximo repetiu o feito, e logo vários carros participaram do que se tornaria um grande buzinasso. Uns buzinavam em protesto pela demora, outros pensando que alguém à frente da fila não tinha avançado como deveria. O casal que estava sem carro também quis participar da ação, e usaram os recursos que tinha: o rapaz, num gesto peralta berrou: - Fode logo aí que tem mais gente querendo meter -, e sua namorada, achando engraçado, apenas ria alto.

O furdunço foi tanto que chegou a incomodar várias pessoas que estavam acomodadas no motel. Vários casais desanimaram em pleno ato sexual, alguns homens chegaram até a perder sua postura. Outros que já tinham terminado o coito e estavam apenas namorando, se irritaram com a falta de educação do pessoal de fora e se apressaram a sair do estabelecimento. Assim o protesto teve êxito, pois houve uma grande debandagem do motel, e os agitadores começaram a gritar em sinal de vitória.

Então, a fila andou rápido, para desagrado de Tereza que teve que apurar no atendimento da entrada e da saída. Sequer tinha tempo de fazer sua oração, como costumava fazer sempre que atendia algum cliente. Recepcionava os amantes com frieza. Parece ser isso o que os donos de motéis querem de suas atendentes, pois homens poderiam constranger as mulheres que entram nesses lugares, e mulheres bonitas e simpáticas poderiam causar ciúmes. Mas nenhum dos casos se aplicava aos ocupantes do carro que aguardava as chaves do quarto: quatro homens bonitos e bem vestidos. Tereza, ao olhar os rapazes, apenas apontou para a placa que dizia que, em caso de mais de dois hóspedes, seria cobrada uma taxa extra por cada pessoa a mais que entrar. Como eles já estavam cientes desta condição, o dinheiro já estava certo para o pagamento apropriado; pegaram a chave, e simpáticos desejaram à recepcionista uma boa noite. Tereza apenas segurou forte sua bíblia, fechou os olhos e vociferou a oração que sempre fazia ao atender alguém, pedindo perdão por ter de trabalhar naquele lugar maculado, e condenando a alma dos voluptuosos clientes ao inferno.




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