Li, gostei e recomendo: "A tizóra preta" (Aulow Randap, "Infanto Juvenil",20/07/04).
A crónica tem, como uma das suas qualidades maiores, a facilidade de visualização do objeto visado. No caso, uma tesoura velha e já a ponto de ser aposentada. Isto fizeram, seus donos, quando outra surgiu no seu lugar. E a tizóra preta foi para o asilo dos objetos sem uso, onde foi muito bem recebida por seus congêneres, outros utensílios que já tinham prestado seus serviços na casa.
A fluidez da narrativa de Randap, já por mim comentada em outras áreas da Usina, outra vez se apresenta aqui nesta crónica. Ele empresta sentimentos aos objetos inanimados, dando-lhes uma configuração para-humana sem que percam sua essência de objetos. É um equilíbrio difícil de ser obtido, pois o caminho mais fácil é encontrar uma alegoria ou uma metáfora e com isto abonar vida à natureza morta .
Aulow Randap, no entanto, ao emprestar uma personalidade a uma tesoura velha e imprestável, não permite que se esqueça de que se trata de um objeto, não de gente. Isto ele alcança ao acompanhar a tesoura por sentimentos - ela foi útil e aqui vai um preito de homenagem à s suas atividades passadas. Agora, ela vai ser recolhida e bem-vinda na caixa dos objetos aposentados.
Uma crónica humana e sensível, sem que se perca de vista a valorização daquilo que, por sua própria natureza, não é humano nem dotado de sensibilidade própria, como é o caso da tizóra preta .
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Érica Eye