O relato ficou excelente. Se fosse um vinho seria dos bons, desceria redondo, com muito corpo e sabor. Era um conto mais de amor e paixão. Uma narração falando de tempos idos, porém não esquecidos, de quando o sangue fervia intensamente e nossos hormónios, nossos instintos batiam insistentes, quase com raiva.
Hoje, quando inseri o disquete no computador, abri o arquivo e me preparei para corrigir, burilar aqui e ali, melhorar alguma frase, destacar melhor alguns dos protagonistas, tive uma desagradável surpresa. Durante a noite algum duende maléfico, algum vírus terrível, comeu meu conto. Comeu o corpo dourado de Marcela e os sussurros, os gritos de Leandro. Não restava nada da doce e sensual estória, da deliciosa luta no banco traseiro do carro, da descrição exata da boca-fruta de Marcela abrindo-se para o gemido, para o beijo, para a entrega total. Só restou, no fundo da minha alma, a esquisita sensação de perda, de que algo ou alguém tinha assassinado meus queridos personagens. Sobrou a irritante sensação de que esse duende desconhecido, que perambula pelo mundo virtual, matou-os sem piedade, somente porque eram um exemplo fiel do que é o amor: alma e corpo, pensamentos e ação, músculos e humores, gritos e sussurros, encontrando-se e desencontrando-se, gerando uma energia incrível, que faz balançar o próprio universo.
Se, como acontecia antigamente, escreve-se num caderno ou com minha velha máquina de escrever, eles ainda estariam vivos e amando-se. Dormirei esta noite pensando neles e, quiçá, amanhã pela manhã, encontre-os em um dos meus arquivos ou ao dobrar uma esquina solitária, novamente, deliciosamente abraçados. Talvez de algum recanto esquecido da minha existência, eles ressurjam com brilho estonteante, para mostrar-me, uma vez mais, como se constrói o amor.
Nada é mais desolador e triste que um escritor percebendo, impotente, como seus personagens morrerem, sem direito a reclamação nem ressurreição.