APOTEOSE DA INSENSATEZ
Roberto Carvalho, Jornalista
Sob holofotes, càmeras e microfones, nasce Sasha em berço esplêndido, filha da rainha dos `altinhos´ pudibundos. E, é motivo de feriado nacional, com direito à bandeira a pau-inteiro. "O anjo mais bonito do mundo", diz a mãe xuxureba, exibindo a encomendada "princesinha" global, pontos de audiência no Ibop. Metade da clínica São Vicente, no Rio, foi meticulosamente decorada para receber Sasha, o rebento mais glamouroso que se tem notícia. Na porta da clínica, fãs alucinados mostram apoteótica boçalidade em meio a esterismo e pobreza cultural. A maioria queria ver o que só o devaneio é capaz de criar: um ser perfeito, anjo renascentista de olhos azuis. Mas, para frustração geral, aparece uma mulatinha à Jamelão.
E os súditos da "princesinha" recém-nascida embarcam na frivolidade do showbiz, farsa da exploração comercial. O brasil inteiro está respirando Sasha. Da Argentina, o Menen mandou mensagem e um amuleto de boa sorte, transmitidos ao vivo pela tevê em rede nacional. Eufemisticamente a "princesinha" é morena. "Preta é força de expressão", argumenta Xuxa, embalando no colo sua produção fora do casamento. Pelé tentou ter um "xulezinho" - mistura de Xuxa com Pelé -, mas a rainha dos `altinhos´ não quis melar a corte. Na fantástica realeza, só mesmo "o bebê mais famoso do Brasil", causaria tanto frisson, com repercussão na bolsa de valores e cotação do dólar.
Não é para menos, 30 técnicos de primeiro mundo empenharam-se na preparação da suíte de Sasha. Nesse humilde aposento da Xuxasinha, tem uma piscinasinha de 10 metros quadrados, uma banheira com hidromassagem e 180 pares de sapatos. "Vai, vai, vai... sapatinho, vai! Vai, vai, vai... sapatinho, vai!", canta animada, a rainha-mãe. O que se estranhou na hipocrisia transmitida Via Satélite, foi a omissão da verdadeira história da geração de Sasha. Antes de engravidar Xuxa anunciava que em breve teria um filho. Seria uma criança linda, cheia de predicados de raça pura, de pai inteligente. Um garanhão reprodutor para cumprir a missão de reproduzir e depois ser descartado.
Na visão elitista, a atitude de Xuxa de reproduzir fora do casamento não dá mau exemplo à milhares de meninas adolescentes. E, se ser famoso é certeza de poder-tudo, o conto de fada tupiniquim cria uma imagem distorcida da realidade. Na favela do Suplício, na Grande São Paulo, em casebres de taipa, milhares de mulheres se batem sozinhas em trabalho de parto. Em João Pessoa, Junina da Silva, recusada nos hospitais do SUS, sem atendimento médico hospitalar, deu a luz a uma criancinha ali mesmo, no meio da rua, amparada apenas pela mão dos bombeiros que vieram em socorro. E, o que Xuxa tem a ver com essa gente, maioria da população excluída? Nada. Nada que explique porque nossa consciência coletiva é tão dispersa e frívola.
O Dr. Siduca Bofim tem a explicação: "é pobreza cultural, só!", tempera a garganta. E exemplifica "o brasileiro tem mania de aparecer, manda os filhos para Orlando, Estados Unidos, encher os cofres do Tio Sam, deixando de conhecer as incomparáveis belezas desse imenso Brasil", franze a testa, o Dr. Bonfim. Com um olhar discordante, Divina Azia, mulher de pouca conversa, assegura "o que vai ter de crianças com o nome `Sacha´, vai ser um prodígio? ", desce a mão no pescoço, Divina Azia. "Esse torcicolo", reclama. Apesar das mazelas nacionais, uma criança sempre é uma criança, e é natural que qualquer que seja o caborezainho, a mãe acha uma gracinha. Mas, e quem veio ao mundo para produzir divisas, ser badalada nos meios de comunicação e servir de marca para todo tipo de bugigangas. Vamos nós, Deus! Olhar, igualmente, todas as judites e marias - mães esquecidas nesse país. Os Zés e Mundocas que nascem na mais absoluta indigência, também precisam ser lembrados.
Sem registro de nascimento, certidão de óbito esses irmãos nunca entram nas estatísticas do governo, nem serão súditos da Sasha Meneghel. Diante das càmeras, Xuxa apresenta a filha: "Sasha tem um pezinho, uma bundinha?!...", soluça emocionada. "É como se todo o brasileiro tivesse engravidado", suspira em lágrimas de alegria. Olha, não sei não mas, por precaução é aconselhável que cada um, na dúvida, procure imediatamente um médico, para certificar-se de que não está realmente grávido.
