Continuando a estudar por horas sem parar, comecei a me cansar. E, de repente, senti fome. Nada pronto para comer, abri a geladeira para alguma coisa escolher. E vi quatro maçãs brilhando à luz interna do armário gelado. Postadas numa cestinha de vime seco e desbotado, as maçãs estavam ali aconchegadas, comprimidas uma contra a outra, nada mais esperando por coisa nenhuma, nas suas vidinhas de maçãs longe das suas árvores.
Qual delas escolher? Pergunta filosófica. Qual delas seria a mais doce ao meu paladar, a mais suave aos meus dentes, a mais perfumada à s minhas narinas, a mais leve aos meus dedos distraídos e a mais rutilante a meus olhos cansados? Quantas prerrogativas u a maçã tem de possuir para ser por mim mordida e consumida?
Deixando de lado tanta filosofal espessura (ou frescura), estiquei o braço e pesquei aquela que mais próxima estava da beira da estante de vidro fosco, na geladeira. Fechei a porta do mausoléu que antes fora o recóndito lar da maçã entre as maçãs, passei-a por baixo de um jato de água fresca, dei um brilho nela com o pano-de-prato - e aí lembrei dos lanches na escola primária, quando a meninada levava maçã e passava o recreio inteiro dando brilho nela, num concurso que daria nenhum prêmio à quela que mais brilhasse. (Com sapatos engraxados em casa era a mesma coisa - cada menina vinha com o sapato mais brilhante do que a outra, até que uma delas veio com sapato de verniz preto.)
A maçã na minha mão, o livro aberto, a mordida triunfante. Uma enorme gota de sumo se estrela na página impressa. Passo o dedo apressada, não vá a professora perceber que sujei o livro (meu), ela, uma mulher tão germanicamente higiênica. Não tem professora nenhuma aqui, só estou eu. E a minha maçã.
Eleita para ser devorada. A esse ato ela se submete sem palavra, emitindo alguns ruídos típicos ao ser decepada à s mordidas bem medidas. Mastigada e engulida, o que era maçã se tranformou num pedacinho de madeira inacabada, um eixo fininho, com duas ou três sementes nele penduradas.
Outra maçã dali germinaria, talvez, se eu as plantasse. Mas minha eleição foi pela sua condenação. Joguei as sobras na lixeira.Uma vez deglutida, da maçã apenas sobrou a lembrança. - E um suave perfume no ar. De macieira.
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E.E.