Dirão vocês: "- Frase mais tola para ser dita por uma mulher que nasceu há quatro décadas!" "- Tanto tempo e ela ainda não aprendeu o óbvio?"
  Direi eu: " - Aprender, eu aprendi. Só não gosto de ter que redescobrir isso..."
  Chegaram de moto. Presentes de um tio que, numa visita, ouviu minha mãe comentar que havia muitos ratos pelo quintal e como seria bom se tivéssemos um gato em casa. Desejo feito, desejo realizado.
  Com o auxílio de um motoboy, viajaram duzentos quilómetros, rumo ao novo lar.
  Eram iguaizinhas. Rajadinhas em tons de cinza.
  Auge de "Mulheres Apaixonadas", capítulos finais, últimas emoções. Foram batizadas de Clara e Rafaela.
  A única coisa que as diferenciava era a cor das patas. As de Rafaela escuras, as de Clara claras.
  Passado uns tempos descobrimos que Rafaela era, na verdade, Rafael.
  Ficou Clarinha e Rafa.
  Clarinha era meiga, carinhosa. Rafa é arisco.
  Clarinha era rueira, Rafa, caseiro.
  Clarinha era manhosa. Rafa um exímio caçador.
  Clarinha não comia qualquer coisa. Escolhia a ração de que mais gostava.
  Rafa põe qualquer porcaria na boca!
  Clarinha era calma. Rafa, um tremendo bagunceiro.
  Divertidíssimo o susto que ele tomou no dia que a árvore de Natal, finalmente, cedeu à s suas escaladas e despencou no chão. Foi árvore caindo para um lado e Rafa correndo assustado para outro.
  Foram criados com a ração do comercial de TV. Leite, água sempre fresquinha. Caixa de areia para as horas de aperto. E não é areia qualquer, não! É granulado especial para gatos: "produto elaborado com esmectita natural que absorve a urina do gato formando torrões sólidos e elimina os odores desagradáveis".
  Diversão, em casa, passou a ser observar o pega-pega entre eles. Sobe aqui, desce ali. Pulos de um sofá para outro. Escaladas na cortina. Nem o abajur saiu inteiro dessas brincadeiras. Vasos de planta? Destruíram um por dia.
  Essa semana Clarinha saiu e não voltou mais. Minha Clarinha sumiu.
  Rafa mia, tristonho, pela casa. Levantei pra tomar água, ele andava solitário pela cozinha. Ronronou, enroscou-se em minha perna, pediu um carinho.
  A gente se consola juntos. Silenciosos, dividimos nossa saudade.
  Clarinha deve ter sido raptada por alguma criança apaixonada por felinos ou algum marmanjo apreciador de iguarias exóticas. Prefiro acreditar que não escolheu outra casa por livre vontade.