Lembro-me de ti assim Alvaro, na esplanada a beber cerveja preta enquanto eu pedia um capuccino ou perdia-me tentando te explicar as chávenas frias e as promoções no Carrefour...Lembro-me de nós, na praia das maçãs, eu acabada de voltar do shopping a te mostrar a minha nova bolsa de couro e a dizer-te:
- Álvaro, Não encoste a pistola à cabeça quando estou a falar contigo... Depois partiste, como fazem as pessoas que depois de estarem muito tempo num lugar vão para outro lugar, partiste como um vaso e eu fiquei a beber água com limão na praia das maçãs, como é que se chamava aquele refresco que tanto gostavas?... Meia de azedume?... Água cáustica?... Ahh.. sim, lembro-me .. Um pneu. (água gaseificada com rodelas de limão).
Pois agarraste no pneu e fizeste-te à estrada, nunca mais voltaste, adorava-te a maneira como salgavas meu bacalhau quando vinhas do escritório e embirravas com a geladeira por não ser uma máquina de fazer vinho, nunca foste assim tão exigente na hora de fazer filhos. Afinal, penso que meu erro foi não ter compreendido que preferias beber vinho a ter uma família.
Mas queria-te aqui agora, a beber-me o capuccino, a pór rodelas de limão em minha água tónica, a pedir-me um pastel de camarão na esplanada, depois dávamos uma volta de mãos dadas na pista, e outra no carro novo e então parávamos na farmácia para comprares teus anti-depressivos.
Ahhh Álvaro... Apaixonei-me por ti logo após ter comprado o sofá novo. Tinhas a cor e o tamanho ideais e fazias um delicioso efeito de cromaqui com as persianas e eu era tão feliz a teu lado. Nosso amor era tão grande que eu nem me importava que te sentisses infeliz, eu era feliz por nós dois.
Parece que estás ainda aqui agora, o sol repousando para além da janela sob medida e tu:
- Margarida, quando passares no Jumbo, traz-me um par de làminas e uma corda.
Saudades... O que foi feito de nós?
Tinhas a mania de poeta e um dia partiste, sim, partiste de pneu à s costas em meio a chuva aziaga. Partiste para aquelas terras onde não há capuccinos, apenas água com limão para homens azedos. Partiste numa noite escura como o breu, triste como uma lágrima, dizias:
-Margarida, não suporto mais teus chás de tília, teu sentimentalismo material, tuas metáforas de shopping, Vou me matar!
E eu pensava, onde quer que vás não há distancia, hás de sempre recordar meu biquini comprado na Zara e a minha rodela de limão... Afinal é disso que são feitas as coisas não é Álvaro? De rodelas de limão e biquinis, podia estar aqui a chorar por ti mas a cada estação há novas liquidações no Carrefour e quem sabe te encontre por lá, em promoção, vestido com um calção de banho, salgado como um bacalhau que chega ao pé de mim e de nós dizendo a sorrir com um pneu na mão:
-Margarida, Onde escondeste minha gravata de sisal?
E carinhosamente me pedias que eu desse um pontapé na cadeira...
Foi uma pena teres te suicidado assim Álvaro, ainda faltavam 3 prestações do sofá para pagar, seu canalha, agora tenho que redecorar todo o apartamento...