Se viam todas as terças-feiras. Quando um subia no ónibus o outro descia, e ficavam com aquela sensação `ele estava me olhando´, `ela não tirou os olhos de mim´. De fato, eles automaticamente ficavam a se encarar logo que o ónibus parava em frente a uma lanchonete, embora só se vissem através das vidraças. Os dois empenhavam seus violões embainhados em uma sacola de couro preto.
Um dia, ela subiu no ponto anterior ao da lanchonete e sentou-se ao lado dele. Este, por sua vez, pregou os olhos no violão( o instrumento), e só os tirou quando uma voz límpida e afinada lhe perguntou se fazia muito tempo que ele tocava.
- Não, não. Ainda estou frequentando as aulas. - Olhou ao redor. O ónibus já ia cheio, e estava justamente em frente ao ponto de sempre, mas ele não desceu. - E você? Faz aulas aonde?
Já havia muito tempo que ela tocava, e aliás, já tinha algum tempo como música profissional. Tocava
todas as tardes na lanchonete da parada, e a seguir, ia a um restaurante animá-lo com bossa-nova.
Chegaram ao ponto final. Nenhum dos dois havia se preocupado com seus destinos, meio à animada conversa. Haviam falado de música, criticado as porcarias sonoras que faziam sucesso, invocado a volta do Regime Militar para que a qualidade musical brasileira novamente crescesse.
Jantaram juntos. Improvisaram um dueto de violões ( ela se esforçando para não humilhá-lo), e voltaram para suas casas naquele mesmo ónibus.
Ele nunca mais a vira, exceto quando um dia, ao chegar em casa mais cedo ligou o aparelho de televisão, e lá estava ela, linda, tocando as mesmas porcarias musicais que eles haviam criticado juntos. Ele agora era músico profissional, tocava bossa-nova à s terças e quintas na lanchonete em frente ao ponto, e à s segundas e quartas, músicas da tropicália em um velho restaurante, deixando nos finais de semana, o palco livre para bandas de pagode, quando ia para casa ouvir aquela linda menina dar entrevistas na TV, já pensando em tornar-se adepto da `junk-music´.
Coisas do destino.