Ela é loira, bonita, cativante e portadora de muita vida. Força de vontade então ela possui para dar e vender. Mas, não vende, faz doações gratificantes e inesquecíveis. Conheci-a assim, num belíssimo momento de minha vida, em que senti a bondade caridosa de Sarah, a "gringa", como gosto de chamá-la carinhosamente. Só que de "gringa" ela não tem nada. Conheço muitos brasileiros menos brasileiros do que Sarah.
Havia montado há um ano um comércio perto de onde ela trabalhava e em razão dessa interminável crise económica, o negócio estava dando prejuízo. Ela entrou e falou com aquele sotaque castelhano charmoso:
-Quê se passa hombre? Non vende?! Non ficar assi desanimado! Vamo trabajar!
E ali na minha frente em quinze minutos conseguiu juntar uns dez clientes. Vendeu o valor de uma semana. Eu, cameló velho e experiente fiquei perplexo e quase envergonhado da lição.
Daquele dia em diante ela tornou-se uma amiga. Conversamos sobre tudo: política, religião, artes, comércio e até algumas fofocas. Confesso que já fazia tempos que não ouvia verdades tão sonoras e edificantes. Ela já conhecia meus ideais desde pequena na Argentina. Ideais que pertencem a toda humanidade. Ela já conhecia a herança do homem: sua imortalidade.
Meus negócios fracassaram e fui obrigado a me retirar do convívio diário com Sarah. Um ano se passou rápido. Na sexta, dia 23 de outubro último, passei por acaso na Visconde, em frente ao seu local de trabalho. A buzina de meu veículo não funciona. Como ia passar com rapidez ela não me veria e assim apenas arrisquei colocar a mão na buzina e céus! Funcionou! Foi o suficiente para Sarah me olhar e sorrindo me acenar, no que retribuí.
Foi nossa despedida terrestre.
Para quem, como Sarah, possui uma mentalidade sem limites a vida continua e está numa dimensão ajustada para a sensibilidade da consciência fora do corpo. Portanto, Sarah vive e registra tudo o que se refere a ela. E por isto mesmo ao me referir a ela faço no tempo presente e não no passado. É o mínimo que posso fazer para quem atravessou os umbrais da eternidade. Afinal, quem está vivo não gosta de ser tratado como morto.
Jeovah de Moura Nunes
poeta, escritor e jornalista
(publicado no jornal "Comércio do Jahu" de 04 de novembro de 1992 - na página 2 - Coluna "Crónica").