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cronicas-->A VIDA DÁ VOLTAS -- 20/01/2006 - 17:34 (Ivone Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CIDADE MARAVILHOSA
(Ivone Carvalho)


Lembro-me a primeira vez que fui ao Rio de Janeiro. A Andrea Natali, minha filha mais velha, ainda não tinha completado dois anos de idade. A vida não era fácil (e até hoje não é!) e, assim, fomos de Cometa, carregando uma bagagem excessiva, já que além do necessário, eu temia encontrar no Rio as mesmas variações de temperatura que existem em São Paulo. Levei roupas leves para enfrentar o calor que eu queria encontrar e também roupas de inverno, temendo o frio que pudesse surgir. Levei, ainda, brinquedos e objetos que a Andrea mais gostava, pois queria que ela se sentisse à vontade no seu mundinho, já que fazia tempo que não via o Arilson, o primo que já estava prestes a fazer quatro anos e que eu imaginava ter os seus coleguinhas para brincar e, quem sabe, nem daria atenção à minha Déinha.

Déinha foi o apelido que o Arilson deu à Andrea, quando ela nasceu. Seus quase dois anos de idade ainda não lhe permitiam pronunciar todas as palavras com os sons que lhe eram ensinados. Assim, duas semanas após o seu nascimento, levei a Déinha à casa do Arilson, que ainda morava em São Paulo, para passarmos juntos a virada do ano de 1975 e, ao ver a nenê nos meus braços e perguntar seu nome, não conseguiu repetir Andrea e a chamou, incontinenti, de Néia, Néinha. Insistimos na letra d, e, então, surgiu o Déinha na mesma hora e, Déinha é o nome carinhoso pelo qual a chamamos até hoje.

Bem, voltando à minha primeira ida ao Rio de Janeiro. É impossível esquecer a minha emoção ao avistar o Corcovado, o Cristo Redentor esperando-me com seus braços abertos, o Pão de Açúcar. O eterno cartão de visitas do nosso país! Até então, eu nunca tinha saído do meu Estado, exceto para a terra de papai, em Minas Gerais, e pouco viajava, pertencendo ao litoral paulista as cidades que me recebiam, de vez em quando e, mesmo assim, apenas após o casamento, já que eu nunca tinha visto o mar antes de me casar. Não posso deixar de frisar que conhecer a Cidade Maravilhosa era, para mim, um grande sonho.

A sensação que eu sentia, ao transitar nas grandes avenidas, ao penetrar os túneis, ao observar o mar, as paisagens, era a de estar entrando numa tela de cinema. E era com a maior satisfação e alegria que, tendo por cicerones a querida Irani e seu marido Rafael, muito mais do que cunhados, mas, sim, verdadeiros irmãos para mim, sentia os meus olhos brilharem e um calor gostoso dentro do peito, ao conhecer lugares que eu só havia ouvido falar, lido a respeito ou visto em filmes. Fiquei deslumbrada ao me ver no Jardim Botànico, na Quinta, no bondinho do Pão de Açúcar, no Aterro do Flamengo, em Copacabana, Ipanema, Leme, Leblon, Recreio dos Bandeirantes, Barra da Tijuca, Maracanã, na Vila Izabel de Noel, do Martinho. Foi uma emoção ímpar subir a escadaria do Corcovado e me sentir tão pertinho de Deus, abençoada por aqueles braços abertos que me pareciam querer dizer: "venha até mim, filha, eu estava te esperando!".

Até hoje é assim! Quando vou ao Rio um tanto apressada, sem condições de sair do Recreio, onde mora a minha família - agora muito maior, já que o Arilson está casado e me deu duas lindas sobrinhas-netas e a Daniele, sua irmã, está noiva - costumo dizer que não fui ao Rio de Janeiro, porque não passei pelos lugares e não vi as paisagens que me dão a certeza de que o Rio é Cidade Maravilhosa, a cidade mais bonita do mundo!

A vida dá voltas e nunca fui tanto ao Rio como tenho ido nos últimos anos. Agora também o trabalho me leva a essa cidade e passei a ser usuária não mais da rodoviária, até por falta de tempo, mas da Linha Vermelha, da Linha Amarela, do Santos Dumont, do Galeão.

Todos os anos, no dia 31 de dezembro, passo o final da tarde, impreterivelmente, na praia, no Recreio, num local mais isolado, incondicionalmente sozinha, para agradecer, ali, por todas as bênçãos recebidas durante o ano findo e para rogar todas as bênçãos a todas as pessoas que eu amo, nominando-as, fazendo uma retrospectiva de todos os acontecimentos, expondo os meus sonhos e os meus desejos para o futuro, acreditando piamente que sou sempre ouvida por Oxalá, por Iemanjá, por todos os anjos do bem. E tomo o meu banho naquelas águas que parecem se acalmar para me ouvir, para me receber, para limpar todas as impurezas da minha alma, renovando todas as minhas energias. E, claro, volto à praia pouco antes da meia noite, dessa vez com toda a família, e ali, após entrar no mar, vestida de branco, e entregar as flores para Iemanjá, tudo é festa e brindamos o ano que chega.

Não sei por que, mas eu me sinto meio carioca. Amo a minha São Paulo, onde nasci e sempre vivi. Mas, tenho certeza, há um pedaço da minha alma que é carioca. Terei vivido lá, em outras vidas? Quiçá! O fato é que agora conheço grande parte deste país imenso e em nenhum lugar eu me sinto tão feliz como no Rio. Houve uma época que decidi transferir minha residência para lá, mas a vida me mostrou que os meus pais precisam de mim aqui. Portanto, sei que aqui é o meu lugar.

Entretanto, é no Rio que eu me sinto um pouco mais eu mesma. Parece que lá Cristo está sempre de braços abertos me esperando, a paisagem me leva a sonhos inatingíveis talvez, a viagens do espírito que me dão a sensação de que já vivi uma história ali dentro, ante aquelas montanhas, muito antes de terem se transformado em lugares que o próprio carioca teme se aproximar. Parece que lá o mar conversa comigo, o ar me convida a refletir, a decidir, a sonhar. Ali eu me torno poeta, mais romàntica, mais mulher.

Tenho planos profissionais para me fixar uma parte da semana no Rio. São projetos, são sonhos.

Todavia, o meu coração já vive na Cidade Maravilhosa. Talvez por ter sido roubado, em alguma época, de mim, e jamais me devolvido. Mas ele está no lugar certo, no coração de quem eu também amo.


20/01/2006




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