Chegou ao portal do desencanto. Perdeu o elan, a vontade crucial de viver que propele a sua vida, passo a passo, para o insodável dia de amanhã.
Tinha nos olhos sem brilho aqujela opacidade típica de quem já não está mais aqui no palco gigantesco do universo, cumprindo o seu papel, grande pou pequeno, no drama da existência. Chorava baixinho pelos cantos, sentia medo, adotava uma postura fetal, queria morrer, mas o fardo pesado de viver segurava suas intenções, prendia-a ao mundo dos vivos, embora já estivesse para lá de morta.
E, o que é pior, em cada pessoa que procurava arrego, em cada ombro onde buscava amparo, só encontrava trancos, incompreensões, impaciência, indiferença e até repulsa. E a dor da solidão sufocava o seu peito, trazia mais angústia e mais depressão. Esquecera a fórmula da oração, perdera o amor próprio, estava com os níveis de autoestima baixíssimos, quase zerados.
Tornara-se amarga, azeda, infeliz demais para pensar no próximo, nas pessoas que ainda tinham um pouco de compreensão e bons sentimentos.
Aí, ele chegou de mansinho, pé ante pé, como quem vai pisando em ovos, sem ligar para a repulsão inicial que ela lhe demonstrara. Foi ficando perto, esperando, como caçador atento aguarda a presa, sem pressa, apenas forrado por uma enorme confiança na sua habilidade.
E ela foi aprendendo a conviver com aquele moço devotado, derradeiro ser humano a lhe dedicar alguma atenção. E foram indo, meio desajeitados, ela indecisa e frágil, ele, confiante e inabalável.
Até que numa manhã, sem que soubesse porque, ela reinventou o sorriso, chamou-o para perto de si, deu-lhe um abraço apertado e um beijo demorado. Ele sorriu também, retribuiu o abraço e o beijo, segurou-lhe a mão com firmeza e, felizes, perderam-se na rua quase deserta, na luz intensa do dia que se anunciava belo e promissor.