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cronicas-->AS VELHAS CASAS DA RUA ANTIGA. -- 04/06/2006 - 14:43 (Hull de la Fuente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


 

 

 
 

AS VELHAS CASAS DA RUA ANTIGA...

 

Gosto de pensar que um dia a vida foi bem movimentada nesta rua. Isto é, movimentada no limite que o tempo de então permitia.
Todas essas casas conheceram a alegria dos moradores, suas emoções, casamentos, nascimentos, os choros, as mortes. Presenciaram as rezas de cada noite, os medos noturnos das mocinhas, que viam sombras terríveis sob os limoeiros e cajueiros e que jamais iam aos imensos quintais, se não fossem acompanhadas da velha empregada da casa.


Já pensou o que era sair do leito numa noite de chuva, pra ir lá fora fazer xixi? Tempos difíceis!
Que grande invenção deve ter sido o penico pra tempos como aqueles.


Velhas casas, tempo antigo.


Era preferível dormir e acordar com o cheiro de amônia da urina armazenada nos urinóis, sob as camas, do que ir à casinha lá do quintal.


Como foi possível viver sem banheiro interno, sem saneamento? Pergunto-me intimamente.


Mas que tolice estou pensando. Sou o presente e o futuro da minha gente do passado.


E pelo que vejo aqui nesta rua, todos viveram bem e felizes. Não há registro de histórias violentas nos papéis da prefeitura, e eu me sinto em paz aqui.


Parada no meio da rua, olho de novo para uma das casas procurando visualizar um dia daqueles tempos.


No meu tempo eu também fui uma mocinha medrosa, mas durante o dia eu desfrutei o lado lúdico que os quintais proporcionavam.
Plantava-se de tudo e todas as casas possuíam um pequeno pomar. A passarada fazia a festa e depois premiava os moradores, com gorjeios de satisfação.


A criação de galinhas, patos e perus era o orgulho das famílias.
O papagaio tinha lugar de destaque na cozinha.
Aprendia todos os versos que a cozinheira cantava.
Sua voz esganiçada se ouvia pela vizinhança:


“Papagaio louro do bico dourado. Leva esta carta, meu Louro, pra meu namorado...”.


Escuto só por um momento e logo volto à rua antiga e seus quintais cheios de saudades.


Ouço o cocoricó de um galo. Deve ser o galo Tomé, pomposo, asas cobertas por penas bonitas, peito forte, esporões afiados, para impor respeito.


Exibe pras galinhas, sua crista triunfante, como o rei exibe a coroa. O guloso Galo Tomé que sonhava com pipocas, enquanto ciscava o chão procurando por minhocas.


E bem lá no fundo, no fundinho do quintal, tava o curral da vaquinha Mimosa e do bezerro Teodoro, doce e mansinho. Deixava “seu” Quinzinho Vesgo, o tratador da bicharada, empurrá-lo pro lado, pra que pudesse tirar o leite de Mimosa.
“Seu” Quinzinho também fazia fornos de barro nas casas de todo mundo.


E lá está Sinhá Dulcina fazendo doce de mamão verde no tacho de cobre.
Zé Luiz, o menino atentadinho, pulando a cerca do vizinho, para roubar laranjas, porque as laranjas do vizinho eram mais doces, dizia.


Afugento as imagens que foram se formando em minha mente.
Tudo passou! Tudo acabou!


Os tratores chegarão dentro de alguns minutos e todas as casas serão demolidas.
Aqui ficarão as lembranças.


E sob as lâminas dos tratores, cairão um monte de esperanças.
E assim serão sepultadas as histórias que aconteceram nesta rua e que nunca foram contadas.


(Hull de La Fuente)

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