- Até que enfim, Fernanda. Chegou a hora de conhecermos o planeta de que falavam tanto. Finalmente vou ficar livre dos seus pezinhos no meu rosto. Quem será que o médico vai `tirar´ primeiro? Tomara que seja você. Ouvi umas vozes lá fora. Tive impressão de que elas tremulavam de frio. Eu não sei bem o que é sentir frio. Você sabe? Mas pelo tom de voz acho que não é muito bom não. Aqui está tão quentinho...
- É, Carolina, também acho que o mundo lá fora não vai ser tão aconchegante quanto aqui. Contudo, estou curiosa para conhecer a nossa mãe. Ela está cuidando direitinho da nossa casinha. E os alimentos, então? Viu como estão nos fazendo bem? Não deve ser fácil ficar em repouso por tanto tempo. Até me lembrei da história do casulo e da lagarta. Será que iremos nos transformar em borboletas também?
- Coitada da mamãe, Fernanda. Não deve mesmo ser fácil ficar tanto tempo descansando. Nós, aqui dentro, acabamos nos divertindo. Mas ela, não pode nem mais brincar com o Gabriel, nosso irmão que chegou dois anos e meio antes de nós. Ele estranhou. Agora só anda atrás do papai, você viu?
- Vi sim, Carolina, mas também ouvi vozes que diziam: "Ele vai entender. Isso passa". O que será que passa, Carolina? O que será que ele vai entender?
- Como será o Gabriel, Fernanda? Estou curiosa. Você não está? Ele fala prá `caramba´. Será que vamos conseguir dormir quando estivermos do lado de lá? Ouvi a mamãe dizer que nosso quarto já está pronto. Dois berços, ela disse. Mas para que dois berços Fernanda? Não estamos muito bem em um só?
- Entrar no planeta, Carolina, deve ser mais ou menos como `CAIR NA REAL´. E cair, você sabe como é... Não ouvimos por acaso o choro do Gabriel quando caiu e fez um galo na cabeça?
- É verdade, Fernanda, mas só ouvi o choro. Não escutei o galo cantar. Você ouviu o galo? E o que é mesmo um galo, você sabe?
- Saber, Carolina, não sei. Apenas estou repetindo o pouco que ouço. Mas sei que esse nosso irmãozinho é muito forte. Você viu como ele come bem? Viu o tamanho de suas mãozinhas? É bom ficarmos espertas. Vamos procurar não atazanar a vida dele. Quem sabe assim ele divide a sua comida e os brinquedos conosco.
- Boa idéia, Fernanda. Eu vou querer brincar com ele também. Parece até que já gosto dele. Você lembra dos agradinhos que ele já fez quando éramos bem pequenininhas? E dos beijinhos que já ganhamos?
- E do papai então, Carolina. Você viu como ele cuidou do Gabriel enquanto a mamãe não póde mais, porque teve que ficar em repouso? E um repouso danado de duro, coitadinha. Tudo para que quando chegasse o nosso dia de nascer, estivéssemos prontinhas...
- Vem cá, Fernanda. Agora que está tudo aprontado, embora aqui seja muito apertadinho, olhe bem: " Você acha que sou o seu espelho?" Eu olho para você e vejo um pouco de mim aí. Você também se vê aqui?
- Bem, Carolina, somos semelhantes sim, na aparência. Na essência, não. Não se esqueça nunca disso: EU sou EU e VOCÊ é VOCÊ. Sempre será assim.
- Ora, Fernanda. Quem disse isso fui eu. E já faz algum tempo...
- Ei! Chegou o dia? Chegou a hora? Carolina, espere... não me deixe aqui sozinha. Estou indo também. Não foi o que combinamos? Eu por você, você por mim e TODOS por NÓS!
