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cronicas-->Sobre o Ideal -- 27/09/2006 - 23:19 (Edgard Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sobre o Ideal

Sempre procurei acreditar na força do trabalho honesto e devotado. Tirar o melhor da profissão deveria ser sinónimo de entrega total e absoluta ao que se faz, colocando-se em plano secundário até mesmo o ganho financeiro. Todavia, ao fazer tal afirmação, sinto-me um traidor de mim mesmo, ao reconhecer que não foi desta forma que agi durante a maior parte de minha existência até aqui. Abracei as mais diversas profissões levado exclusivamente pela necessidade financeira, tendo-a como o carro chefe de todas as entrevistas que fiz e de todos os contratos que assinei. Agi como a maioria, em busca da felicidade, tentando encontrá-la no número de zeros dos contra-cheques que percebia. E, não havia maior lógica, pois, maior o salário, maior o padrão de vida de uma pessoa.
Mas, esta questão de padrão de vida começou a me incomodar à medida que observava o mundo a minha volta. Como bom observador que sempre procurei esforçar-me para ser, via a fisionomia de, digamos, oito entre dez pessoas enquanto esperavam dentro de seus luxuosos automóveis, a mudança do sinal luminoso ou caminhavam em seus ricos ternos pelas ruas da cidade. Os olhos não conseguem esconder o que vai na alma. Gostar do que se faz é, sem sombra de dúvida, vital e indispensável a uma existência feliz. Não deve ser, jamais, objeto da escolha de um jovem candidato a uma carreira, determinada profissão, por estar ela na moda ou oferecer os maiores salários do mercado. Seguir este rumo é decretar a própria ruína e abrir caminho para a infelicidade. Não somos máquinas controladas por botões e teclas. Possuímos, acima de qualquer coisa, dignidade. Orgulhamo-nos de nossa condição de humanos e queremos continuar assim, necessitados de oito horas de sono a cada noite.
Trabalho é vida. Não conheço outra terapia capaz de aniquilar tão eficazmente nossas mazelas quanto o trabalho. Quando somos absorvidos nas tarefas que realmente gostamos, transformamos o trabalho na mais atraente diversão. E a consequência disto é a saúde e a felicidade. Infelizmente, não é o que vemos em nossa sociedade. O capitalismo tem lá as suas vantagens. Mas, como faca de dois gumes, reclama cuidados e, às vezes, distància. Incontáveis foram as vidas que se perderam, vítimas dos regimes criados com objetivos louváveis de melhorar as sociedades no mundo. Porém, em muitos casos, a má administração destes regimes colocou tudo a perder. Restou o capitalismo, que outorga a cada indivíduo a liberdade da escolha. Eu posso decidir ser um rico cidadão se souber pór em prática as condições oferecidas pelo país onde habito; isto é capitalismo. Mas, tenho que ser cuidadoso e leal para não engolir financeiramente o meu próximo; e isso é democracia.
Inúmeras são as profissões no planeta. Encontrar a que nos cabe e nos completa é encontrar a razão de viver. E esta busca precisa ser constante e começa a se manifestar dentro de cada um de nós. Não serão as propagandas capciosas, tampouco o chamariz em forma de avisos para concursos, pendurados nos quadros das universidades ou em bancas de jornais, que irão fazer as nossas cabeças. Quem estará no nosso íntimo para ditar a alegria e a satisfação que sentimos ao tomar contato com determinado ramo da ciência que pode vir a ser a vocação e o futuro que tanto almejávamos? Precisamos fugir das imposições. Não existe o propalado negócio da China. Se não consegue gostar daquilo que está fazendo, caia fora imediatamente, não importa o tamanho do seu salário. Procure uma ocupação que traga alegria. Onde não veja o transcorrer das horas. Que possa envolve-lo até o arrebatamento.
Quanto a mim, encontrei, como professor de inglês, uma atividade que me traz prazer e satisfação. Nela posso criar, atuando de ricas e variadas maneiras. Mas, foi na literatura que entrevi minha paixão definitiva. Publicando ou não uma obra, o prazer de vê-la nascer e se concluir é, no meu caso, inigualável. Mas esta é uma visão pessoal, pode ser ou não compartilhada. E, exatamente aí é que se encontra o dinamismo da vida. Cada ser, sendo um universo, único e independente, tem o dever de realizar essa busca e o direito de usufruí-la. Toda grande caminhada começa com o primeiro passo.

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