Usina de Letras
Usina de Letras
68 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 62823 )
Cartas ( 21344)
Contos (13289)
Cordel (10347)
Crônicas (22569)
Discursos (3245)
Ensaios - (10542)
Erótico (13586)
Frases (51217)
Humor (20118)
Infantil (5545)
Infanto Juvenil (4875)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1380)
Poesias (141100)
Redação (3342)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2440)
Textos Jurídicos (1965)
Textos Religiosos/Sermões (6301)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Mais vale um na mão... -- 17/01/2007 - 16:52 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Custava-lhe a crer que aquilo pudesse acontecer. Não somente perdera tudo numa só tarde, como ainda apostara no azarão. Bem que Manuel, o seu guru de apostas, tentara avisá-lo:
--Esse não. Até parece coisa de principiante!
Ele, afeito aos presságios, se apressara na aposta. Um outro apostador torcera o nariz ao vê-lo por as fichas no azarão. Como que prevendo que teria problemas à frente, o cobrador das apostas nada disse, insinuou com os olhos e com o queixo fendido que o outro tinha razão. Da última vez, tinha sido um desses pangarés o vencedor, à custa de muito arranjo, que dessas coisas só mesmo arranjadas é que se permite que um cavalo quase manco ganhe uma corrida. Mas a máfia dos apostadores é maior que tudo, ele pensava, e colhia opiniões de cá, outras de lá, ouvia os rumores dos bastidores, pedia a custo de algum dinheiro (que tudo se paga nesta vida) qual seria a barbada e pronto! Mais um mês garantido pela aposta tardia e benfazeja.
Desta feita, não: Perdera tudo! Até a casa que morava estava penhorada, agora. Era de sua mãe, que morrera não sem antes ter o desgosto de ver oficiais de justiça lhe baterem à porta, para sempre negar que ele, seu filho, jamais poderia ter feito tal e semelhante desfeita à memória de seu falecido pai. Ela se fora numa noite de agosto, tormentosa para ele porque afinal nem recursos tinha para sepultar a própria mãe. Filho único que era acostumara-se ás pequenas posses que seu pai tivera, sem nunca ter sequer imaginado como fazê-las crescer.Só desfrutava delas enquanto via minguarem os parcos recursos das rendas das propriedades que o velho amealhara em vida. Depois de morto, o mau administrador se revelara por inteiro e uma a uma as fora perdendo, o idiota.
Com uma vida assim, natural que fosse um perdedor. Algumas vezes colhia o fruto de um aluguel que teimava em cair em sua conta. Outras, o mesmo aluguel servia como tampão para um buraco que se lhe abria aos pés, desespero batendo à porta com cara de cobrança de dívida de jogo, que o mau-caráter ainda jogava, seja no póquer, seja no buraco ou ainda na roleta. Uma vez tivera muita sorte, pois um desafeto lhe prometera:
--Pague o que deve, ou juro que o mato.
Não pagou e quase perdeu uma perna, pois um carro negro, surgido sabe-se lá de onde, quase a levou numa esquina poeirenta, marca que ele guarda até hoje, pois manca levemente (a fratura não fora completa).
Era ligeiramente gordo, mas ainda tinha o viço da juventude e um sorriso maroto que volta e meia usava para conquistar as moças de vida nada fácil, de quem ele, além do programa gratuito, conseguia estadia em hotéis de quinta categoria, para escapar à sanha de um outro cobrador que lhe vinha de tempos em tempos retirar a paz que ainda tinha. Qual mulher se envolveria com tal gajo? Só mesmo as putas, e olhe lá.
Mas desta vez, como faria?
Já tinha um plano. Certa vez, um camarada que conhecera num bar esfumaçado lhe oferecera emprego como marujo num barco que ele dizia ser de pesca. Precisava de pouca experiência, ele só teria de entrar em forma, emagreceria um pouco porque a vida a bordo seria bem interessante, o resto o tempo e o trabalho fariam por ele. Resolveu aceitar a proposta, dada a urgência da situação. Lá foi nosso herói, devendo até as cuecas, procurar o tal marujo, que mal se lembrou dele porque na noite fatídica em que cometera a imprudência de convidar nosso gordurento personagem, estava bêbado como um peru.
--Lembra de mim?
--Nunca te vi mais gordo.
O lugar cheirava a peixe podre, a água batia no cais levantando o aroma do mar que o deixava às vezes tonto, às vezes nauseado. Mas tudo, qualquer coisa era melhor que aquele inferno. Melhor que morrer, talvez fosse.
--Você me disse que o procurasse.
--Como me achou aqui?
--Essa não é sua letra?
O marujo, um olho torto (ele não sabia se o olhava ou se fitava com um olho o garrancho e com o outro olho sua cara, de modo que fez cara de paisagem enquanto o outro examinava o papel, que nada mais era que um guardanapo sujo de molho com um telefone e seu nome).
--Bom, é minha mesmo. Mas como pretende trabalhar? Estou precisando de marujos, não de rolhas de poço.
--Bom, estou encrencado. Preciso de trabalho...
--...Precisa fugir. Mulher grávida?
--Não.
--Dinheiro?
--Sim. Tem o emprego?
--Vai lavar o porão e vai ajudar a fazer a bóia. Olha que é ruim.
--Meu amigo, nem imagina o que é ruim!
--Não, você é que não imagina. Nem sequer chegou perto de imaginar (dizia isso com um estremecimento, como se algo horrível lhe viesse á mente, mas assim de chofre parara e puxara um cigarro desses fedidos).
--Quando pode começar?
--Se quiser, hoje mesmo. Só me dê um tempo de ir à minha casa para pegar uns trapos, uns livrinhos que eu volto.
--Muito bem. Nove da noite, vamos zarpar às dez.
--Feito.
Saiu apressado. Mancando, o outro com um olho de lince notou.
--Tem perna mecànica?
--Não, é de nascença mesmo.
--Aqui, meu caro, você vai precisar saber bem mais do que mentir que nem um descarado, se quiser ganhar uns trocados e não ficar preso no porão por meses!
--Está bem, fui atropelado por um louco que queria me matar.
--Assim está melhor. Até as nove!
Lá se vai nosso malandro, olhando de lado, para eventuais escapadas, sempre nos cantos escuros da cidade portuária. Os assovios são das garotas que prestam serviços do tipo que ele gosta, falta-lhe tempo agora. Já pegara gonorréia e depois dessa, nunca mais andara com outra que não fosse pelo menos limpinha. Mas isso, outros tempos, agora era o tempo de arranjar as coisas e partir sem falta, ele sabia da urgência, a ficha iria cair e com ela toda uma rede de cobranças iria se desencadear. Tinha gente graúda, ele sabia estar perdido desta vez. Ainda bem que não tinha drogas no pedaço, por muito menos iria parar no fundo de um rio morto. De passagem por sua casa, o telefone toca.
--Aló.
--Jefferson? O presidente?
Era o código. Manuel!
--Sim. Qual é a barbada?
--Um pangaré mocho, mocho, dez contra um, é tiro e queda.
--Mas não tenho um puto!
--Você ganha, paga o que me deve ou dessa vez, vai para o inferno. É pegar ou largar!
--Pago como?
--Sua casa penhorada.
Pensou na infància recheada de pães, seus felizes pais cheios de ideais e visões do filho crescendo, ele não sabia bem ao certo quando sua vagabundagem começara, tudo que ganhara se dissipara com putas, carros velozes e maus tratos ao pouco dinheiro que havia juntado. Trabalho? Ora, seu pai pagava. Isto até morrer, depois foram as economias da mãe, agora era a casa penhorada...
--Não!
--Ah, não?
Pensou no marujo, na voz tremida ao lembrar de algo horrível, pensou no mar enfurecido engolindo suas entranhas, pensou no calor dos porões de todos os navios do mundo, nas caras medonhas dos marujos a lhe olharem com apetite (no alto mar, tudo se sabe...), e com um gesto meio mecànico, fez que sim ao telefone.
--Feito. Mas ganho quanto?
--Dez contra um! É barbada!
Ele ganhou. Não apareceu para descascar batatas nem suar no porão do navio, que se foi na noite. Ele ficou sabendo, não sem horror, que o barco fora colhido por uma tempestade no Atlàntico Norte e não voltara jamais ao cais. Lembrou do olhar de sua mãe, que sempre velara seu sono. Lembrou de seu pai, chegando sempre com pão, jornal e vinho da rua, num assovio chamando sua velha mãe, que o recebia como sempre, eles deviam estar no céu, juntos e ele enquanto isto...
--Bom, aqui está. Tudo pago. Até o último centavo. Devo-lhe algo, Manuel?
--Não mais.
Acertou tudo com todos. Tinha umas propriedades que estavam fechadas. Vendeu todas, encerrou a conta do bar, emagreceu e mudou a cara, tirou a barba por fazer, foi ao puteiro e quis a mais bela das moças que pudera ter em vida.
Uns se alarmaram. Não tinha mais nenhum cobrador no pé? Virara crente?
--Não.
Outros anteviram o que podia ser uma miragem:
--E o oficial de justiça?
--Não tem mais o que fazer comigo. Acertei tudo.
--Até o empréstimo bancário?
--...Quitei com as propriedades.
--E agora?
E agora? Ele pensou, depois da noite com a escultural morena que o abrigara no ventre. E agora?
Vagou pelas ruas, um cigarro aceso, um jornal debaixo do braço. Olhou as ondas do mar, frentes brancas rumorejantes batendo nas quilhas dos navios. O rude marujo agora era comida de peixe num mar gelado. E agora?
Entrou num bar. Tinha uns trocados, dava para passar a noite num hotel de quinta. Ele sabia, era tudo ou nada. Encostou um cara de rosto marcado ao seu lado.
--Fiquei sabendo que tu virou crente.
--Nada dissso.
--Então, endoidou. Te pago uma.
--Vou aceitar.
--E agora?
Ele olhou o ambiente, putas de roupas minúsculas dançando num palco em meio á luz negra, velhos babujos colocando dinheiro em suas calcinhas, moços trejeitosos discutindo com outros moços musculosos e tatuados, o garçom com a cara impassível, servindo bebida como se fora ácido muriático( desses que os meninos jogam nas madames nos faróis),ele pensou em sua mãe sempre velando por sua volta ao lar, desde que seu pai morrera, ele agora não devia mais nada. Nem para si, nem para ninguém.
--Agora são outros quinhentos, mestre.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 4Exibido 607 vezesFale com o autor