Li, dia desses, um poema de Fabrício Marques, chamado "Ficando Tarde". É assim:
Estou ficando tarde. E o tempo
vai carpindo antes do tempo
rugas de cansaço e lucidez.
Com ar de melancolia
(Estou ficando tarde)
percorre o rosto um sorriso.
As horas se gastam, amarelam
como quando a vida arde
- ó albor - na pele, sem aviso.
Estou ficando tarde, que bela metáfora, formada sobre outra já bem conhecida, que coloca a idade madura como o entardecer da vida. Aqui, porém, quem se percebe entardecendo é o próprio poeta. Observa-se um duplo sentido, pois, por um lado, quando entardece, a luz vai se esvaindo, prenunciando a chegada do negror da noite, quando nos visitam os medos e as dores. De outra banda, é sinal de que já passou do tempo de se fazer muitas coisas. É tarde, pois escurece; é tarde, pois já passou da hora. A tardança do tempo também me traz rugas de cansaço e lucidez, embora, Ã s vezes, esta última também falte, de modo inesperado, como se o arrebol do fim do dia fosse subitamente coberto por negras nuvens, até que o vento da noitinha as levassem embora.
Fiquei refletindo e indaguei-me, afinal, quão tarde já sou? Para quem cedo labuta, as dez da manhã é tarde para acordar, mas cedo para almoçar. As dezesseis e trinta é tarde para entrar no banco, mas cedo para encerrar o expediente. E quanto a hélio, nosso rei? A sua cara inflamada ao meio-dia é o próprio vigor juvenil, mas as quatorze ou quinze horas ele ainda é furioso o suficiente para nos espremer, fazendo-nos verter água pelos poros. As dezesseis, já está mais calmo, mas nem tanto, embora já se tenha passado mais de meia tarde. Então é tarde para muitas coisas, mas cedo demais para outras.
Quando é tarde para o jantar? Se é tarde para dormir, ainda é cedo para as festas que varam as madrugadas. Parece que é uma questão de dirigir nossos olhos para aquelas coisas para as quais ainda é cedo. Há muitas delas à nossa espera, nós as vemos melhor quando esquecemos das outras que já foram ultrapassadas pela ampulheta. Ademais, há coisas para os quais o tempo é mesmo peremptório, mas para a maioria, talvez, os advérbios cedo e tarde são sempre relativos. Mais: o que se dizer daquilo que jamais perde a hora? Dizer eu te perdóo ou eu te amo, para isso só a morte é impeditivo, embora haja quem assegure que mesmo através dela podemos fazer tais afirmações.
Por fim, concluo que a grande vantagem de quem entardece é que, quando ainda é cedo, temos que esperar a hora certa chegar para as coisas acontecerem. Ficando tarde, já não se espera mais nada. Faz-se agora.