Normalmente nessas horas você me olha com olhos sem sentido. Olhos enviesados, pupilas dilatadas, você fixa o espaço, querida, e nada mais tem valor ou significado. Eu penso na vida para tocar, ouço seus pensamentos e quase posso ver: Um Nada Vazio, vácuo de nada a dizer, folhas de pouco sentir, vapores em estranhas formas.
Uma sensação almofadada, um abafar de sentidos.
Eu olho a janela e os cantos se aproximam perigosos; eu olho os pássaros e invejo sua paciência e sua força, eu tenho a esperança de um dia alçar meu vóo, mas não será agora que o farei.
Nesse intervalo, você olha suas unhas lindamente adornadas de minúsculas flores recém-pintadas por um artesão que você mesmo conheceu recentemente, eu entendo seu silêncio, mas querida, eu pouco posso fazer nessas horas em que se agiganta nossa diferença em todos os sentidos de nosso horizonte.
A chuva cai incessante lá fora e já nem os pássaros acodem ao beiral da janela de sua casa envelhecida, nenhuma pomba vem arrulhar suas paixões em suas calhas miseravelmente entupidas, nem um movimento denuncia que o mundo vive à sua volta: Só lhe importam suas unhas e o estranho monstro que se avizinha.
Um nada vazio, um vácuo sem sentido, um sentimento almofadado, um embotar de sono da tarde, não aquele que nos entorpece após o Encontro, mas aquele que entorpece os membros depois de uma dose maior de calmante ou pior, de um mau vinho escarlate ou do já esquecido absinto.
Seus olhos se turvam e eu pressinto a tempestade, antevejo seu murmúrio qual veneno viscoso, a lágrima que tenta surgir nada mais é que uma miragem (nada do que poderia ser decerto), então querida, seus olhos adquirem o sentido do Nada: O Vazio, a Estranheza, o Silêncio, o Torpor.
Eu olho as nuvens que batem furiosas nas quinas dos prédios longínquos, eu sinto a força inaudita da Natureza a se desprender em rajadas, invejo os pássaros em seus rodopios, mas olho suas unhas pintadas, rezo uma prece, engulo o café e ergo meu corpo.
Um abafar de sentidos, um nada vazio, um sentimento almofadado, um elo para sempre perdido.