Os espanhóis, isto e aquilo, franceses, ingleses e alemães, isto e aqueloutro, e os americanos, isto e só visto, enfim, vidas inteiras de geração para geração à procura-da-rolha no modelo estrangeiro que vai enchendo os portugueses de progresso com meio-século de atraso. Por consequência e em conta por alto, 9 milhões e 900 mil, submetidos aos 100 mil que absorvem, usam, abusam, reabusam e gozam que se fartam as progressivas benesses em atraso do figurino exterior, vão chorando, rezando, vêem futebol e ouvem o fado: Â«Ó gente da minha terra / agora é que eu percebi / esta tristeza que trago / foi de vós que a recebi».
Trata-se de 100 mil inteligentes, cultos, cidadãos dignos de permanecerem na ininterrupta memória dos vindouros, socialistas, sociais democratas, comunistas, bloquistas e cristãos centrais, algo que passado à prática não corresponde em 90% absolutos à s magníficas teorias que estabelecem o bem-estar geral. Quem de repente consulte o dicionário à procura do significado dos vocábulos implantados, de imediato se arrepia com o enorme «mas...» que lhe surge no raciocínio.
Todavia, tudo tem explicação, pois então não tem?
Numa noitada de calor, assim que a cerveja acerta «au point» com o paladar e escorre deliciosamente fresquinha pela goela abaixo, um amigo meu, já de esplendor aceso e a propósito dos tiros mortais na vida nocturna portuense, naturalmente esquecido de 30 anos de silêncio obrigatório sem tiros (também, naquele tempo, as pistolas não eram tão boas), atira: «Quem desconhece que muitos dos seguranças das drogarias da noite são bófias no activo que fazem horas extras?». E ornamenta: «Toda a gente sabe que há dois tipos de sebastiões-comem-tudo-tudo que metem um cagaço do caraças: os polícias, em nome da lei, e os ladrões, fora dela».
São quatro da manhã e está-se a tomar banho-de-ar na tépida brisa que acaricia a margem esquerda do Douro muito meigo. Um dos da malta aponta o céu, exclama «o-que-é-aquilo?» e concita aos outros o olhar para o espaço. É uma asa-delta que traz um gajo pendurado a balancear-se. - Mas, mas - diz um - é um marado que a esta hora se mandou da Arrábida!.
Um polícia, um ladrão ou o Batman?... Apre, pelo menos, a passarola-voadora foi inventada por um lusófono. Pois, ainda não havia gasolina, a causa principal que impõe aos portugueses meio-século atrás do tempo.