Aproveitei um fim de semana prolongado para rever a terra onde vivi por muito tempo, antes de radicar-me em Araçatuba.
Paraguaçu Paulista, incrustada na alta-sorocabana, é depositária de boa parte da minha história, fato que enseja agradáveis reencontros, com parentes e amigos, se bem que tais contatos ocorram cada vez mais espaçados, dadas as dificuldades crescentes. Essas coisas são assim mesmo. Nestes dias agitados, paradoxalmente, torna-se mais fácil viajar para o exterior do que visitar lugares próximos.
A estrada, agora asfaltada, naquelas paragens, permitiu-me evocar o tormento dos viajantes, quando o leito não tinha esse benefício. Que sofrimento! Um horror, com poeira ou barro. Felizmente o tapete negro trouxe condições melhores para a região. Tanto que, atualmente, até mesmo as estradas vicinais são pavimentadas.
A agenda de visitas exige pressa porque o tempo é curto. Não falta quem queira papear sobre os bons tempos. São amizades duradouras, separadas no tempo e no espaço. Importa mais falar do "antes", porque a cidade pequena adquiriu outra alma; o "agora" é dominado pela nova geração.
A principal indústria do lugar, onde trabalhei durante treze anos e meio, também mudou de fachada. De Anderson Clayton, transformou-se numa unidade da Gessy-Lever. Já não detém a primazia de bons empregos, como outrora, e pela primeira vez foi atacada pelo mal da época, a greve.
Tão bom saber novidades dos ex-colegas de trabalho. Muitos ainda estão firmes no batente. Os que saíram dali, têm seus nomes lembrados. Uns, foram remanejados para lugares distantes, na mesma empresa. Outros, curtem merecida aposentadoria. Casos a lamentar, devido inevitáveis acidentes. Histórias tristes, alegres, de todo jeito.
Contudo, fico estarrecido quando me informam do torneiro Wilfried, o Alemão, sem dúvida um amigão de quatro costados. Numa entressafra foi atingido pelo "facão". Demitido, logo arranjou serviço numa grande usina ali perto, para onde se mudou com a mulher e a filhinha. Não se sabe por qual razão, virou andante. De saco nas costas e tudo. Foi visto algumas vezes na estrada perto de João Ramalho. Barbudo. Sujo. Sem conserto...
Fico desolado. O que levará uma pessoa, capacitada para o trabalho, que conviveu conosco um tempão, contando piadas, rindo, demonstrando virtudes e defeitos comuns a qualquer um, tomar uma atitude radical assim?
Que mistérios esses, capazes de minar as forças de um homem, que abandona seus valores para prostrar-se na sarjeta da vida? Já ouvi histórias extraordinárias, de amores impossíveis, questões familiares, coisas de telenovelas, implicando em semelhantes abandonos. Parecia ser irreal. Mas o drama do Alemão, um conhecido meu, representa ser mais contundente.
Wilfried suportou bem a dificuldade da mulher engravidar. Queria uma criança, mas adorando sua companheira, não se abateu com o contratempo. Depois de um longo tratamento, ela deu à luz uma linda menina. A ultima vez que os vi, Alemão parecia tão feliz...
Na minha viagem de volta, vinha matutando sobre a inexplicável conduta do meu amigo de tantos anos. Quando, ao passar pelo trecho onde ele fora visto algumas vezes, divisei ao longe, no acostamento da estrada, um andante carregando um saco à s costas. Diminuí a marcha. Era um sujeito de tez escura, em nada parecido com o Alemão. Cabeludo, barbudo, acho que não me enganaria se de fato fosse ele.
Retomei a velocidade. Refleti de vez, que as coisas são como são. E nenhum conselho adiantaria para torpedear sua decisão. O indivíduo nessa condição não passa de um espectro, sem vida normal desde que resolveu renunciar a tudo e a todos. Nada o demoveria, certamente.
Pelo retrovisor, ainda observei por algum tempo o andante me acompanhando com o olhar, estático à beira da estrada, envolto nos seus próprios mistérios...