Nas vésperas das provas da faculdade, a atenção era redobrada e os estudos se intensificavam. Existia sempre alguém que se sobressaía em uma ou outra disciplina. Era o natural. Dentre as cinco que compunham a grade do primeiro semestre, Química Analítica constituía-se no verdadeiro bicho-papão. Professor de uma exigência que fugia à regra, e conteúdo programático de arrepiar. O comentário corrente entre os alunos veteranos, desestimulava e causava terror a qualquer um. Não é que eu fui me meter logo com ela?
Em vista disso, a semana que antecedia a data da prova tornava-se desafiadora. Estudando e ensinando na casa de um e outro, durante a noite, e dependendo da volta durante a madrugada, porquanto não tinha carro, alguém sempre se disponibilizava a realizar o itinerário de volta.
Numa dessas madrugadas o fusquinha azul do Marco transportava seis. Fortaleza ainda era uma cidade pacata onde se fazia serenata nas noites de lua cheia. Dirigindo tranquilamente e conversando o necessário (para não se distrair), aproximávamos do destino. Era por volta de 02:30h da madrugada. Na ànsia de chegar logo, o acelerador foi pressionado um pouco mais. De repente, a uns cinquenta metros, surge na frente do fusca um bêbado. Atravessava a rua num andar cambaleante e trópego. Buzina acionada. Freio pressionado, os pneus "gritaram" no atrito com o calçamento tosco. Buzina. Buzina. Gritos nossos. Solavancos. Buzina. Direção controlada. O carro pára. Ainda toca no bêbado. De dentro do carro o desfile de elogios à mãe do "pinguço", bem como achincalhes e palavrões, cujos ecos se perdiam na noite da capital. Ele permanece ali. Parado. Marco desce. De pé agora ao lado do azulzinho complementa o que ainda faltava. Descemos todos. O "empilecado" encostou-se no fusquinha, colocou a mão direita na cintura, olhou com o olhar atravessado e arrematou:
- Eta buzinazinha imoral...
E foi se retirando. Risos e gargalhadas. Uma ducha de água fria. Na porta do hotel ainda gritei:
- A buzina!
Já faz quarenta e tantos anos.