Lembro das pulsações de meu coração quando a via. No elevador, ela me fitava e sorria, com o canto da boca perfeita, em sua linda estatura de sereia de louça: Eu absorvia o impacto e corava, como há muito não fazia. Minhas janelas todas evidenciavam o óbvio, o impublicável transparecia em minha pele. Quem me olhasse naquele momento enxergava meu íntimo, coração de cristal luminoso, coroa de gemas que pulava em meus olhos; quem quisesse poderia me desarmar que não perceberia.
--Toma jeito!
--Tem jeito não. Tem remédio!
--E qual é?
Todo mundo sabia, que se não fosse de perto, pelo menos junto ela estaria. Era meu remédio de manhã, era a droga da tarde, seria o calmante da noite que se avizinhava. Ela, radiante, sabia do estrago que causava. Vinha a danada e com o mais belo par de olhos, me deixava boquiaberto assim do nada:
--Olha quem está aqui!...
E eu, sem poder me defender, embatucava, minha caneta pendendo no abismo entre o vácuo e o chão e que mais de uma vez desabava em minha mão , inerte enquanto a musa passava. Eu mal disfarçava e ela sabia que mais dia menos dia...
--Toma jeito, rapaz!
--Jeito para quê?
--Pelo menos um cigarro, uma xícara...
--Não fumo!
A vida da gente se enriquece, se enche de luz nestes dias em que percebemos que somos algo mais que uma engrenagem no mundo que nos engana, que nos desgasta hora a hora, segundo a segundo. Quase tudo se desvia para o objeto amado, tudo é motivo para um olhar apaixonado.
--Você hein! Não tem jeito. Deixa ela em paz, afinal, não é compromissado?
--Claro que sou.
--Então? Percebeu o eixo de toda a coisa? Deixa a vida correr!
--Querido, tenho de confessar uma coisa a você, mas não me conte isto a ninguém, pelo amor do santo padre!
--Que é?
--Essa é para casar!
Vinha o olhar incrédulo, chegava a mim o bafio do espanto, eu nem aí, essa é para casar, eu repetia.
Será que ela sabia de mim, será que eu existia em sua doce andança de todo dia, será que ela sequer imaginava que despertara um vulcão adormecido em mim após milênios de paciente espera? Será que a linda presença sequer poderia supor que a primavera se instalara em meu íntimo, com a sua boca em vertigem me fazendo de conta em suas nervuras, suas pupilas de mel a me imprimir num luar de outrora, será que ela teria a mais leve noção de quanto era importante saber dela mesma que eu estava em seus planos?
--Que pretende fazer?
--A paciência é a virtude dos persistentes...
--Vai acreditando! Vai acreditando!
Não vou dizer como termina a história. Não, vou fazer de conta que nem contei, vou deixar secreto esse foro íntimo, vou deixar oculto o detalhe da coisa toda. Daí fica a vontade de saber mais. Daí, quem sabe eu desperte nos outros a fome que sentia, a sede de me saber em sua pele, quem sabe eu desperte na fantasia do Outro a minha quimera, quem sabe no mundo onírico você que me lê desperte do sonho, realize a metade do que sonhei e case com ela!
Porque, meu amigo, acredite, nem pestaneje, não duvide!
