Não posso acreditar no que vejo, nem no que ouço quando caminho pela calçada da cidade esfarinhada pela última bomba da tecnologia, essa coisa que nos avizinha da desumanidade, esse espectro que me dá engulhos.
Em toda parte, por toda a parte, se vêem flashes dos filmezinhos que os pervertidos fizeram das janelas, ávidos de idéias brilhantes do alto de seus bloquetes onde moram espremidos por mais de cem anos. Não posso acreditar que, depois de tomar meus comprimidos de manutenção de meu rim, de plugar meu pulso na tomada e enfiar o cabo de conexão da Supernet em meu umbigo implantado com o chip eletrónico: Tenho de suportar isso, a menina caindo e...deixe eu ver, ví essa mesma coisa várias vezes no trajeto de casa, no VAN Cycle, enquanto dormitava sob efeito do zumbido de 400 km por hora, a viagem silenciosa e confusa que a gente vive sempre quando volta do trabalho aqui nesta cidade cinzenta, escura e boçal.
Pausa.
Eu pus o cineminha em pausa mas meu vizinho, ávido de compartilhar o que via, me religou na cena e eu a via, caindo e subindo, caindo e subindo, como num passe de mágica, como se ela pudesse voltar atrás, eu desligando a imagem e o sacana ligando de novo (Usamos capacetes conectados dois a dois na VAN). Eu, com falta de ar evidente e ele, só faltando se masturbar. Pudera! Um vàndalo! Vestido de camisa roxa com dísticos em dourado dizendo: Matem os Hiperbólicos( sei lá o que isso significa) ele era o mais fiel representante de vàndalo que eu podia conhecer.
Não posso acreditar que ainda reverbere em mim a notícia, o fato, o filmezinho chinfrim e vagabundo, a cena me matando aos poucos, ela voando da sacada, sem rédeas e solta no espaço, qual um pássaro pesado e estatelando-se abaixo, aos poucos, e o sacana fazendo voltar o horror ao meu lado, suarento e empedernido.
Dizem que encontraram uma carta, dizem que acharam um bilhete, algo escrito no sórdido bloquete do quadragésmio sexto andar daquele prédio em ruínas e cheio de viciados em Halothane e Mertionina. Dizem que lá em cima, em telinha de caderno de papel eletrónico, ao lado das coisinhas de menina pequena, junto com um exemplar de antiga revista de colecionador, tinha um texto escrito em letras miúdas e mal-feitas:
"Pai, te perdóo. Te perdóo por me fazer o que fêz. Te perdóo mesmo. Sua filha, de coração..."