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cronicas-->A Grande Marcha -- 02/09/2008 - 18:58 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O sol a pino deixava no ar um tremor como se o dia fosse tomado por cortina transparente, uma névoa invisível de calor que encharcava a visão de um sufocamento detestável. O caminhar era lento, as têmporas gotejavam e porejava qual mina o precioso líquido que era sua seiva, seu sumo, sendo espremido à força pela garra descomunal do calor do deserto. Seus passos eram lentos, seus pés mal obedeciam ao seu comando. A brisa mal deixava um sinal de sua presença e antes que ele tomasse conhecimento dela, puf, já se fora a indelével companheira de seus dias de outrora, tão melhores.

Seus companheiros não estavam lá essas coisas também, ele notava os sinais de fadiga em todos os que olhava, sempre economizando ao máximo a energia dos olhos para concentrar-se no que era preciso, que era andar para a frente.

Todos andavam para a frente, porque lá atrás disseram para eles, andem, sem parar, sempre em frente!

Tornava-se difícil cumprir as ordens, ainda mais que não podiam olhar para trás para ter ao menos o gosto do progresso mesmo que ele fosse mínimo, mesmo que fosse minúsculo. Todos andavam sob o sol àquela hora, sem pestanejar, abatidos pelo bafio atoleimante, lentamente, qual lesmas sendo derretidas numa irrefletida marcha indecisa.

--Podemos olhar para trás?
--NÃO!

O tom de voz, imperioso, metálico, enregelava as veias e s estómagos de toda a gente que caminhava sob a estrela esbranquiçada que incendiava o horizonte, com penetrantes raios que secavam as peles dos caminhantes, deixando o sal de suas veias exposto... Pelo menos a Voz servia para impulsioná-los todos, numa vã esperança de ,à frente, encontrarem abrigo mesmo que inútil.

--Mamãe, porque não podemos olhar para trás?
--Não fale nada, filhinha.
--CALADOS! EM FRENTE!

Mãe e filha choravam baixinho e o sol cegante queimando as peles, a retina e os sonhos da multidão que parecia um exército de fantasmas a caminho do Abismo.

--Podíamos nos rebelar.
--Para quê?
--Para morrer mais depressa. Não aguento mais isto!
--Que espera esta gente toda?
--Há dias! Há dias!!

Pelo menos tínhamos a noção de caminharmos há dias. Sempre em frente, sempre embaixo do sol. Nosso repouso era o vento da noite e nossa bênção era a escuridão cobrir a Terra, ainda que crestada e cheia de fendas.

--No fundo, nós é que pedimos isto!
--Mamãe...
--Psiu, filhinha...
--CALADOS!! EM FRENTE!

Mas e se olhássemos para trás? Alguém já havia pensado nisto. Como eles poderiam saber que um de nós olhara para trás? E se um de nós simplesmente desse uma olhada, num lampejo de consciência para que o grupo pudesse saber de quem se tratavam? Que fariam conosco, nessa louca caminhada que começara há dias?

--Eu vou olhar, cubram a visão deles!
--Não faça isto!
--Prefiro morrer sei lá como do que morrer feito estátua de sal aqui nesse inferno.

Ele era um moço bonito, faces afogueadas pelo calor gigantesco. Enquanto alguns de nós titubeávamos, ele estava sempre atento, esperando a mínima chance para olhar o que nos fazia caminhar. Ele virou-se de repente e olhou. Assustou-se com o que viu. Voltou à fila.

--O que viu?
--Nada!
--Como nada? O que você viu?
--Nada, já disse!
--Mamãe, estou com medo!
--O que você viu?

Ele, pálido como a lua e de olhos esbugalhados, balbuciou:

--Acho que ví o Inferno.

Abaixou a cabeça e sumiu em meio à poeira que avançava, movida por um vento que começara mansamente e que agora uivava mais e mais, fazendo-nos tossir ressequidos. Voavam pedaços de roupas e papéis arrancados ao chão que nos cercava e alguns principiavam a rezar.

Alguém rezava alto quando eles nos mandaram parar.
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