Em nossos encontros sabíamos do desvelo que teríamos de ter um para com o outro, apesar das nuvens que pressagiavam nosso iminente desfecho. Nós dois sabíamos e nos entregávamos qual dois loucos, cada um à sua maneira, como se o cadafalso nos esperasse a ambos.
Em nossa vida em comum esperávamos que tudo fosse eterno, que jamais nos abandonasse a idéia da beleza que nos traz a juventude, halo de luminosidade que unge os nossos mais felizes dias. Nós esperávamos procurar um no outro o que o outro esperava em um e nas amarraduras do dia, nossa noite era mais tesa.
Tínhamos a noção de que a espera podia nos fazer mais e mais entregues e felizes quando na verdade esgotávamos a energia como um cometa que se exaure em suas órbitas e exibe imensa cauda só porque o sol lhe arranca, milênio após milênio, parte importante de seu corpo até que se reduza a pó sua existência. Assim éramos, duas cadentes estrelas em meio ao caos de nossa paixão.
Tantas noites, tanta fumaça, tanta luz derramada, tão líquida nossa festa, como um lago de margens frias e superfície aparentemente calma e na profundeza um monstro escuro, a solidão que se avizinhava, o abandono que nos esperava vazio, um crànio de vazias órbitas...
Hoje só vejo os retalhos da colcha que cerziste comigo, numa espécie de amálgama de minha existência à sua entrelaçada, num mistério gozoso, uma anunciação esfarrapada. Vejo os vestígios de uma era que se foi, uma antesala do Abismo que nos sorveu e nos deixou distantes qual galáxias que se vêem mas nunca, jamais interagem.