Noite longa, uma cimitarra em meu pescoço; o nariz adunco de um guerreiro sarraceno a surgir na treva das nuvens escuras que nos observam das esferas do alto. Os leves movimentos do ar esfumaçado, restos de um almoço espalhado nas areias de uma distante praia em que nunca estive em companhia de quem eu nunca amei.
--Você não sabe de nada. Nem de longe me percebe: Um nada, um vácuo. Um vazio.
--Tem certeza?
No limiar da consciência se desenha a permanência, nosso desenrolar como esferas de silêncio que se compactuam num permanente setembro, aquele em que já fomos, deveras, um fato. Um gato se lança ao Abismo, o mar bate nas pedras e adorna nosso olhar de cristais de prata.
O adunco cavalheiro avança milímetro a milímetro na escuridão da noite que se desenha em silhuetas de montanhas espelhadas nos lagos imutáveis das geleiras derretidas. É o que nos espera: um nada, um vácuo, um Vazio.
--Grande figura. Você!
--Estava à sua espera! Fazemos-nos companhia!
Nos detalhes é que se define a coisa toda, em si mesma, aqui se fecha um círculo: Os farrapos do que já fora, nossa abissal paciência, nossa proverbial prolixidade, a verborréia escondendo o sonho de nossa juventude e o calar de nossas bocas num sinal de nossa finitude efêmera.O gato quisera ser pássaro, as patas em dança na luz do vento que se compraz em voá-lo em setembro, quando se findam as frias esquinas, onde estalam os novos brotos. As nossas esferas se adensam numa conjunção impossível, num desenrolar de nossas línguas, como em compasso de espera num giro do que já fomos (deveras um fato).