Acostumado à s árduas batalhas da vida, vencendo muitas, e à s vezes perdendo algumas, calejado pelo destino, pensei que estava acostumado aos reveses.
Porém, para o meu grande espanto, infelizmente, apenas pensei. Estava completamente despreparado para certas separações.
A grande decepção aconteceu numa madrugada de sábado.
Vamos aos fatos reveladores.
A minha convivência diária com ele passava de doze anos. Sempre prestativo e demonstrando amizade, o monstrinho instalou-se à vontade em minha vida e nos meus aposentos.
No começo, estranhei, e com certas ressalvas fui me acostumando, pois sou conservador de nascença. Assim, pouco a pouco fui me adaptando, até chegar a ponto de considerá-lo um pedaço da minha existência.
Com o passar dos dias, passou a ser o meu melhor companheiro e amante para qualquer ocasião. Logo entendi que não poderia viver sem ele.
Dormia pensando nele, trabalhava ao lado dele. E quantas vezes almoçamos e jantamos juntos.
Não é para menos! O dito-cujo ajudou a organizar a minha vida com muito carinho e determinação. E o principal - sempre foi de poucas cobranças. Por isso, sinceramente, comecei a ficar terrivelmente apaixonado.
Não vou mentir, dizendo que não tivemos as nossas brigas e desentendimentos.
Pensando bem, cheguei a abusar de sua paciência. Mas, inteligente e com memória infalível, ele sempre vencia.
Quantas vezes o meu amigo, cansado - vamos chamá-lo de amigo, pois não posso revelar o nome, no momento - parecia querer desistir do nosso amor e partir para outras aventuras.
Mas resistimos a tudo e a todos. Com essas virtudes, com carinho e, sobretudo, com muito amor, conseguimos chegar ao dia, ou à madrugada, fatal!
Como de costume, sentei ao seu lado e começamos os nossos colóquios.
Foi terrível! Fiquei com sono e fui até o quarto para descansar. Acostumado com isso, ele ficou só apenas por alguns minutos, mas sempre ligado, esperando a minha volta. Quando retornei, para o meu desespero, percebi que ele tinha ido embora. Nem ao mesmo deixou um bilhete, explicando a sua cruel decisão. Nem uma linha o maldito deixou.
Confuso e inconformado, não queria acreditar em tamanha safadeza e traição.
Depois de passado o impacto, comecei a relembrar os nossos momentos juntos. Juro, quase chorei! Não sei se de raiva ou devido a enorme saudade que tomava conta de mim, naquele momento.
Procurei me acalmar. Remexi algumas gavetas para ver se encontrava algum remédio para dormir. Mas, nada! Nem calmantes eu tinha em casa.
Pensei em sair, dar umas voltas pela cidade para afastar o tormento. Tudo em vão. Não tive vontade nem de trocar de roupa.
Andei pelo apartamento, querendo desviar os meus pensamentos. Tempo perdido, a angústia do abandono falava mais alto.
Para sossegar, resolvi assistir à televisão.
O único filme bom que estava passando era o Doutor Jivago. Além de longo - quase quatro horas de duração - o dramalhão me deixaria mais magoado ainda. Desisti, pois, drama por drama, preferi ficar com o meu, sem querer saber da dor de cotovelo de mais ninguém.
Desliguei o aparelho e fui para a cama, completamente arrasado pelo acontecimento.
Tentei dormir, mas foi inútil. A lembrança do ingrato povoava os meus pensamentos e a insónia levou-me a ver o dia nascer.
Levantei-me, sabendo como seria dura a nova jornada sem ele.
Pensativo e tristonho, tomei o desjejum, matutando no quê fazer, de agora em diante.
Heureca! Um novo horizonte descortinou-se em minha frente. O negócio é comprar outro!
Sim, comprar outro COMPUTADOR, porque aquele que jaz, todo queimado, quebrado, lá no canto do escritório, já era!
Basta refazer o meu orçamento, tirar o cartão de crédito da carteira e acabar com o sofrimento!
Ah... se fosse assim com algumas mulheres! Umas, o cartão de crédito resolve. Mas e outras? Nem o FMI, emprestando todo o dinheiro mundo, faz com que elas voltem.
Se algum leitor pensou, em algum momento, que se travava de um safado namoradinho meu, ou caso, como muitos dizem, enganou-se profunda e redondamente.
Comungando com as minhas raízes conservadoras, sou um homem que cultiva brios de puro machismo. Sou daquele tipo antigo, que muitos e muitas consideram ultrapassados.
Peço desculpas! Mas, se ficaram desapontados e quiserem me xingar, que xinguem! É sempre bom ser lembrado, até mesmo com palavrões! Cabe aqui até o velho jargão - falem mal, mas falem de mim!
Ou, então, vão se queixar na Delegacia dos Leitores Enganados e Desprotegidos.
Em poucos dias estarei com o novo computador. Juro que não ficarei dependente como era do antigo.
Jamais comprarei um notebook, pois o vício será mais arrasador. Terei de levá-lo a todos os lugares e, nas viagens, precisaremos dormir juntos. E isso sem falar da necessidade de ficar com ele nos momentos mais íntimos!
E o vexame de estar em um avião e, em pleno vóo, sair da poltrona com o lap top debaixo do braço e se dirigir ao minúsculo banheiro? Se o comandante ficar sabendo, imediatamente vai decidir fazer um pouso de emergência - há um louco desvairado a bordo!
Chegar à paranóia de fazer cooper nas calçadas da avenida Paulista, à s dez horas da manhã, com o maldito dependurado no pescoço, como se fosse um tabuleiro de pirulitos. E calmamente digitando a sua divina comédia.
Mas se eu me agarrar ao novo computador que está para chegar, prometo que atirarei o desgraçado pela janela - detalhe: moro no décimo andar - e voltarei a usar a minha antiga máquina de escrever Olivetti, mecànica, que, além de ser um substantivo feminino, deu-me inúmeros prazeres (de datilografar, é claro!), num passado não muito distante.
E chega de sofrimento por causa de um amontoado de placas, chips, fios, botões e luzes, apagando e acendendo, como fosse uma árvore de Natal!
Em tudo, até no avanço da era digital, temos de tomar certos cuidados!
Roberto Stavale
São Paulo, Outubro de 2008.-
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