"Se a Helerna Armond, o Neres, o Lau Siqueira e outros iguais apreciam exibir as suas inspirações dentro de uma arquitetura técnica e linguística que parece a de um barraco, correndo eles o risco de passarem por favelados poéticos, isso é assunto pessoal deles, e ninguém tem nada com isso. Mas pretender que a construção mal acabada tenha o mesmo status de uma obra que foi erigida com esmero, aí a história é outra".
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Inicialmente, para melhor entendimento da crónica, vejamos o que me escreve a amiga Helena Armond, pelo o que, inclusive, agradeço nas referências elogiosas:
"Gargalhando...vc me odeia mesmo....
Mas....Vc escreve muitíssimo bem.
Não se tropeça e nem se engasga durante a leitura...vc mantém o interesse do leitor...
Já seus textos poéticos em formas formatos formalidade... em fórmas carameladas edulcoradas ...são belos apenas belos uai....
Um grande mestre disse que a beleza é uma espécie de " morta" as impressões de choque falam mais...não há intenção de provocar choques... apenas são respostas ao mundo em que vivemos...outro mestre dizia que " o verdadeiro artista registra seu tempo"
Incrível que vc não admita diferenças tais quais impressões digital ...rsrsrsr
Tenho observado bem perto da minha casa,a alta tecnologia na construção de um prédio de 18 andares onde são montadas peças pré moldadas...urge forjar com ferro e fogo ...nenhuma saudade das casas de telhados vermelhos cobertos com telhas chamadas " feitas nas coxas" por negros escravos...sacou ?".
Até aí, tudo bem. O que me deixou algo em pànico foi o título que ela deu à sua mensagem: "Acredite Marli...acredite...Nós os anormais".
Mas, antes de entrar na confessada anormalidade da amiga, devo abordar sobre a minha obsessão, esse Golias, contra a qual, eu, um frustrado Davi, luto, para ter, como resultado, em vez da vitória bíblica, a inapelável certeza de que estou metido numa luta eterna, uma luta sem vitória nem derrota.
Os meus abnegados leitores, que, em número, se reunidos, não lotam uma Kombi, já estão carecas de saber dessa minha quase doentia compulsão: a de lutar, sem trégua, contra a antipoesia, a pseuda arte literária, que, para se passar por poema, manifesta-se em versos quebrados, mas sem apresentar sequer um mísero par de rimas. Essa poesia torta tem apenas um solitário conteúdo como ferramenta de criação: a metáfora, e é nessa franciscana oficina de apenas um instrumento que eles desandam nas suas linhas esfíngicas, que não dizem coisa com coisa, ou, por outra, dizem uma variedade de coisas, dependendo apenas do esforço do leitor. Falar de métrica com os autores desses garranchos é coisa impensável, porque tem o mesmo efeito de dizer um sonoro palavrão. Eis em que se resume a composição pseudo-poética: um amontoado de metáforas, e mais nada.
A Diabinha Loira, aquela que, como substituta da cabra vadia do Nelson, comparece nas minhas cronicas, sopra-me ao ouvido a sua conclusão, dizendo que esse tipo de obra não passa de um escancarado embuste. Coisa de gente que, querendo, por força, figurar como poeta, à falta do necessário dom, sai inventando moda do tipo "se colar, colou". "Gente preguiçosa - completa e Diabinha - que, incapaz de abrir uma gramática do 1º grau, não consegue escrever um parágrafo, sem cometer erro de pontuação". Passo-lhe uma reprimenda rápida:
- Diabinha, você esta cometendo uma injustiça com a Helena. Olhe que a amiga já foi até premiada com os seus garranchos. "Enigma" é o título de um dos livros dela, que, segundo dizem, fez sucesso. Na literatura infantil, é uma fera, tal como pude constatar no exemplar que ela me enviou e que não pude ler, porque o bando de sobrinhos e netas, depois que se apossaram dos livros, não me deram chance alguma de, pelo menos, folhear um sequer.
- Então, a Helena devia ficar apenas com os pequenos - rebateu ela - Não tinha nada que se meter a gato pintado na literatura adulta, querendo se passar por tigre. Como é o nome do livro dela? "Enigma"?. Bom... Pelo menos no título do livro, acertou em alguma coisa, porque enigma, certamente, é só o que deve haver dentro dele.
Descartada a hipótese aventada pela diabólica criaturinha, que, embora razoável, não se aplica à quela amiga, fico a cogitar sobre as causas dessa maluquice literária nos demais, e, num exagero rodrigueano, chego à seguinte conclusão: os que escrevem o falso poema lêem, unicamente, as obras de Neruda, e lêem-nas com a mesma ànsia de um enforcado à cata de ar. Neruda, o rei das metáforas, há de ser o ídolo único dessa gente. Por isso, lêem Neruda ao acordar, à s refeições, na fila do ónibus... À noite, eles não rezam; lêem o Neruda e, para dormir, depositam a cabeça sobre uma pilha de nerudas. O resultado dessa mórbida paixão aparece então no que escrevem, e eu chego ao extremo de pensar que usam as metáforas em quase tudo. Numa prosaica receita de bolo, por exemplo, o ovo há de ser, provavelmente, "embrião de ícaro"; a farinha de trigo pode aparecer como "essência da sobrevivência". Se uma receita dessa caísse nas mãos da minha vizinha, que, como a do Nelson Rodrigues, também é gorda e patusca, ela certamente bateria à minha porta, para eu socorrê-la na tradução de coisa parecida com "comungue dois embriões de ícaro com cinco colheres de essência da sobrevivência".
Mas o que eu queria dizer era que eu quase já acreditava que a amiga Armond era mesmo Anormal (e a maíúscula inicial vai aqui de propósito), mas os sinais que vejo agora, no seu texto acima, indicam, nela, uma Normalidade cristalina, e folgo com isso. Eis um dos siÂnais: a amiga faz afirmativa (a de que a odeio), sem estar devidamente municiÂada de razões. Ora! Eu malho a obra dela, mas não a sua pessoa. O Lau Siqueira também, que nunca vi mais gordo, foi normalíssimo ao proibir-me de entrar na sua caixa postal. O Lau, que na minha fantasia Rodrigueana, é o meu Dr. Alceu, alega, como motivo da proibição, que eu deprecio as suas letras. Confundir-se com a própria obra, como é o caso do meu Alceu, tanto quanto afirmar coiÂsas, amparando-se apenas na imaginaÂção, como procede a amiga Helena, é coisa pra lá de normal.
Outro sinal típico de NormaliÂdade irrefutável na amiga: citar terceiros, para municiar-se de razões. Fulano disse isso; Beltrano disse aquilo... Quando os noÂmes dos terceiros são citados, os malÂdosos normais dizem que é só exibição de cultura googliana (tem gente que é fera nas pesquisas com o Google). Quando os nomes dos citados são omiÂtidos, dizem que isso é pensar com a cabeça alheia. Maldade. Não é nada disso! É apenas uma aplicação daquela máxima popular "santo de casa não faz milagres", pra ver se consegue credibiÂlidade no que diz. Lula é bamba nisso de citar ditados populares. Quer coisa mais popular - e, portanto, perfeitaÂmente natural - que o nosso "priziÂdenti?". Outros, como o Paulo CoeÂlho, são mais refinados na normalidade em que vivem. O Paulo, por exemplo, coleciona máximas hindus, chinesas, árabes... junta as peÂças, como se fosse um jogo de quebra-cabeça infantil, e sai vendendo a coleÂção mundo afora, como se tudo o que está no livro fosse coisa de sua cabeça. Viram a entrevista do nosso "guru" literário, onde diz que adora filmes de "far-west" e fala da sua grana como o faz qualquer materiaÂlista, cujo primeiro sonho na vida é suÂbir a Torre Eiffel? Nada a ver com o que está nos seus livros; né? Pois é... Só faltou o Paulo dizer que não perde a novela das 8. Ora! O homem é normalíssimo. Que o diga a nossa ABL, onde o guru conseguiu, sem maiores esforços, cadeira de imortal. Um Anormal (com maiúscula mesmo, que é pra ninguém confundir) defecaria sobre o fardão e jogá-lo-ia na lixeira.
É pouco? Então vai mais um sinal caracterisco de Normalidade apresentado pela amiga no seu maniÂfesto: confunÂdir capitão-de-fragata com cafetão de gravata. A amiga embarcou nessa, na analogia que faz entre a sua obra e o prédio pré-moldado, cuja construção assiste da sua janela. Ora! Tanto o prédio quanto a casa colonial, referidos por ela, ainda que teÂnham formas diferentes, têm portas, janelas e servem para a gente morar dentro. Mas a obra da amiga - E é bom reiterar: estou malhando a obra dela, não a sua pessoa - nada tem a ver, nem com o prédio moderno, nem com a casa tradicional, e explico o porquê: o prédio e a casa são fisicamente vistos por todos, enquanto que a obra da amiga, fosse ela uma moradia, seria vista apenas por uns poucos e, ainda assim, com cada um vendo uma imagem diferente. Fazer confusão entre coisas de natureza diversa é também conduta normal emtre os normais. A obra da Helena seria então uma miragem, e não uma construção sólida. Com boa vontade, podeÂríamos comparar a condição da sua obra com a de um poço vazio, que, escavado e não resultando em água, não serve pra nada. Ora! Nada demais. Cavar poço à toa é coisa comum, e tão comum, que, vez em quando, alguém cai dentro de um. Por outro enfoque e para melhor entendiÂmento, observem a obra abaixo e prosÂsigam nos parágrafos seguintes:
EXORTAÇÃO
Net 7 Mares
Poetas, atenção! Pegai em armas!
Ouvi! Há um dos nossos em perigo.
Sabeis que um apaixonado é nosso amigo,
E a nós pertencem todos os seus carmas,
Suas dores e também os seus castigos.
Munamo-nos da arma poderosa,
Capaz de fulminar seu inimigo.
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Mas, antes, escutai o que vos digo:
A musa dele posa de orgulhosa,
E, nele, nem sequer mais põe a vista,
Negando-lhe os louros da conquista;
Não está, porém, na musa espinhosa
O mal que o leva à dor e a tanto pranto .
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Ainda que se negue a ouvir-lhe, a insana,
E diga que não vê mais nele encanto,
Lançando em sofrimento o amado irmão,
De sua boca, apenas, é que emana
O mal que se instalou no coração.
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Aqui, irmão, está nosso amuleto,
Que marca-nos perante a Poesia;
Verás o que por ti ele fará...
Â
Eu falo é do poder de um soneto;
Aplica-te a um, com maestria,
Que a tua musa, ao ler, se renderá.
@@@@
Agora, observem: trata-se de uma consÂtrução (que batizei de soneto netiano, porque foi invenção minha, claro), composta de três estrofes decrescentes, fechando em dois tercetos. A rigor, nessa inventada arrumação, a primeira estrofe deve ter sete versos, seguida de uma de seis e outra de cinco, fechando sempre com dois terÂcetos, e tudo escrito em rigorosos versos heÂróicos, ou seja, em decassílabos, com as sílabas tónicas sempre na 6ª e 10ª de cada verso. Qual é o propósito dessa arquitetura? Simplesmente dar aos poÂetas uma arquitetura menos árdua para colocarem a inspiração em alguns versos a mais, além dos escassos catorze determinados pelo soneto tradicional, mas mantendo o rigor da métrica, da entonaÂção e das rimas. Facilitei só um pouquinho e espero que os meus pares aproveitem bem a idéia. A propósito, em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ritmo_no_poema , há um mobralzinho que ensina o be-a-bá da construção poética. Até por simples curiosiÂdade, vale a pena uma visita.
Prosseguindo: o soneto netiano é uma consÂtrução diferente? Ainda que apenas na estruÂtura e arranjo das estrofes, está claro que é, sim, uma construção diferente. E quem tiver a pachorra de percorrer algumas das minhas obras poética no site da Magriça, verá, emhttp://www.notivaga.com.br/mpa.asp?autor=Net+7+Mares, que, embora eu tenha predileção pelos sonetos, procuro sempre formatos variados para as minhas composições. Numa delas, coloquei a inspiração toda em estrofes de tercetos; noutra, usei o formato crescente, começando com um verso de uma só sílaba e terminando num hendecassílabo.
Mas, que proveito tive com essa variação de formatos? Pelo menos, aos olhos da amiga, não tive ganho algum. O conjunto das minhas obras poéticas terá, para ela, sempre a inapelável imagem de um conjunto da COHAB.
Pois bem... E o meu "Exortação"? O que tem ele em comum com as demais obras de poetas famosos, no que toca a sua edificação? Tem vários elementos em comum, mas citeÂmos apenas dois: o material (a palavra e, por extensão desta, a Gramática) e as ferramenÂtas: métrica, rima, entonação (fio de prumo, trena, esquadro, etc). Para que servem estas ferramentas? Para dar forma harmónica, equiÂlibrada à obra; ou seja, para torná-la bela aos olhos do leitor. Um outro ponto comum no "Exortação" é que tem portas e janelas, tal e qual como na casa colonial e no prédio moderno, ambos referidos por Helena. Aqui, abro um parêntese, para fazer um pedido: se alguém encontrar as metafóricas portas e janelas na composição da Helena, que, por favor, as apontem para mim. Fechado o parêntese e prosseguindo ainda dentro dessa concepÂção do belo, em que se resume a construção da amiga? - Olha! De novo; tá? Estou falando da tua obra, e não de ti - Não precisamos ir muito longe, para concluir que a sua obra sem titulo não é muito diÂferente daquele barraco, igual aos tantos que vemos nas favelas do Rio: todo torto, mal aliÂnhado, sem janelas, onde ninguém sabe diÂreito onde ficam as portas, esburacado nas paÂredes e teto... Os prédios tradicionais têm nomes (títulos): Solar das Margaridas, Portal não sei do quê, Village Aquilo Outro... As casas, sejam as comuns, sejam as coloniais, se não têm nomes, têm endereço, número e CEP... E o barraco? (não necessariamente o da amiga, bem entendido, ainda que parecido seja). CaÂraca! Nem endereço certo tem! Está lá, no alto morro, e é só isso. Poderia ter um título, pra facilitar na busca, mas nem isso. De certo, porque, o proprietário, sem saber escrever corretamente, não quer correr o risco de expor a sua ignorància penÂdurada numa tabuleta no lado de fora. Neste aspecto, também nada a ver com a amiga, porque, segundo já confesÂsou ou demonstrou tacitamente, escreve errado por gosto. Mas nem nisso ela é anormal, porque conheço uma penca de escritores que escrevem erradamente, e, não obstante, têm até livro publicado.
Por fim, chego ao fechamento da crónica, que, por ser rodrigueana, ocupa, quase sempre, uma página inteira de um jornal: Se a Helena Armond, o Neres, o Lau Siqueira e outros iguais apreciam exibir as suas inspirações dentro de uma arquitetura técnica e linguística que parece a de um barraco, correndo o risco de passarem por favelados poéticos, isso é assunto pessoal deles, e ninguém tem nada com isso. Mas pretender que a construção mal acabada tenha o mesmo status de uma obra que foi erigida com esmero, só porque meia dúzia de turistas que subiram o morro, para apreciar, de perto, o cotidiano do favelado, desceram de lá, lambuzando o dono do barraco com elogios, apenas porque, na madrugada silenciosa, ficaram encantados com um bichano perambulando por sobre os telhados dos casebres, aí a história é outra, porque estaremos enÂtrando então no campo da justiça e do mereÂcimento. Que diabo! A gente paga o IPTU de horas na carpintaria da construção poética, pagamos a Taxa de Incêndio no banco Aurélio, a Taxa de Água e Esgoto no Banco Bechara... E o metafórico favelado, que não paga nada disso, sequer a luz, sai flanando com a sua obra troncha, Internet afora, jactando-se de poeta? Pó! Qualé, ó maluco! Tá pensando que eu sou otário? Tá a fim de quê? De me dar um baÂnho? Sem essa; tá! Rapa fora!