Li, esta tarde, o artigo do grande poeta, a quem admiro e respeito demais, Jairo Nunes Bezerra, de título No Alto Sertão.
Talvez ele nunca venha a saber o quanto seu artigo mexeu comigo, levando-me a um clima de nostalgia e recordações. Não, eu não nasci e nem morei no sertão, mas, Ã s vezes, tenho a impressão de que em outras vidas eu tenha morado em algum lugar muito parecido com esse que ele descreveu no seu artigo e que tem descrito em alguns outros artigos por ele publicados.
Nasci na Capital do Estado de São Paulo, num bairro da periferia, a Vila Maria, que, na época, não tinha nada do progressista bairro que é hoje. Lembro-me bem dos bondes, da pequena Igreja de Nossa Senhora da Candelária, que foi reformada pouco depois da minha primeira comunhão, transformando-se numa bela construção com uma Nave em sua fachada, o orgulho de todos nós que víamos nela um verdadeiro cartão postal do local.
Havia, perto de casa, uma Capelinha, que era como extensão da Igreja de Nossa Senhora da Candelária e de onde saíam as procissões. Eu acompanhava todas! Desde garotinha até a adolescência, as procissões sempre me emocionavam muito e não me importava com a quilometragem que muitas vezes percorríamos, atravessando bairros, principalmente quando me mudei para a Vila Medeiros, indo morar perto da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, local onde meus pais moram até hoje. Ali as procissões eram bem mais longas.
Mas, voltando à Vila Maria, o bairro onde nasci. Eu era criança ainda quando o então Prefeito Jànio Quadros construiu a ponte sobre o Rio Tietê, no bairro que sempre esteve no seu coração. A ponte da Vila Maria, desde o tempo em que era construída precariamente, era o caminho que nos levava, a pé, ao Brás, onde, com minha mãe e meus dois irmãos, íamos comprar roupas ou brinquedos, quando as economias que ela fazia, do parco salário recebido pelo meu pai, permitiam. Tivemos uma infància bastante pobre, eu morava numa casa de madeira, nos fundos de um quintal, cuja casa da frente a mim parecia um palácio, exatamente porque eu comparava com a nossa casinha.
O artigo do meu tão querido poeta Jairo Nunes Bezerra, me levou à infància, talvez porque eu seja filha de mineiro e, ao lê-lo, transportei-me primeiro para a casa da minha avó paterna e dos meus tios, irmãos do meu pai, todos residentes em Minas Gerais. Só estive lá duas vezes. A primeira, quando tinha cinco anos de idade. Tão criança, mas jamais esqueci os porcos, o carro-de-boi, as galinhas, o pomar carregado de frutos, o tiro-ao-alvo, os cavalos, o fogão a lenha, a imensa mesa de jantar construída por meu avó falecido quando meu pai tinha somente oito anos de idade.
Essa mesa, jamais esquecerei, era ladeada por dois bancos imensos, únicos móveis daquela sala enorme. Lembro-me que ficava rodeando minha avó, enquanto ela cozinhava no fogão a lenha, novidade para mim, porque em casa o fogão era a carvão. Vejo, como se fosse hoje, eu e meus irmãos sentados no chão, num canto da cozinha, sobre um tapetinho, tomando nossas refeições em latas que, originariamente, embalavam marmeladas.
Havia um horário que podíamos ficar com os adultos na grande sala de jantar, e, que eu me lembre, era só no café da manhã. Não sei bem o que comíamos, mas sei que tudo era novidade para mim e eu gostava de tudo que vovó fazia. Lembro-me bem das broas e rabanadas e do pudim de moranga. A leitura do artigo do Jairo me deu a impressão de que tudo que ele menciona eu comi na casa da vovó Antonia. Talvez daí, a saudade. Não foi grande o período que ali ficamos, mas aqueles momentos jamais esquecerei.
Voltei a Minas Gerais na adolescência, quando tinha uns dezesseis anos. Foi também um período curto, porque aproveitei as férias do trabalho, tendo sido, porém, avisada, um dia antes da viagem, que na semana seguinte eu já precisaria estar de volta ao escritório, porque surgira um serviço urgente. Mesmo assim, valeu a pena. A vovó Antonia já havia falecido e o sítio onde ela morava tinha sido vendido. Fui com minha mãe e o Edson, meu irmão caçula, e ficamos no sítio do tio Waldemar. Aí eu me lembro muito do extenso milharal, do galo que me acordava em plena madrugada (mais uma vez o Jairo!), da vitrola e discos que levei de São Paulo e que, com pilhas, pois não existia luz elétrica, eu fazia funcionar até tarde, para loucura e alegria dos meus tios e primos.
Era sempre nos finais de tarde, após o jantar que ocorria por volta de cinco horas, que íamos todos para a varanda e lá ouvíamos e cantávamos Martinho da Vila, principalmente! Era o disco que eles mais gostavam. E, claro, eu amava!
Nessa viagem, voltei a andar muito a cavalo, fui visitar todos os parentes, revi os primos e primas que já eram adolescentes como eu e, com eles, eu ia dar voltas na praça de São Geraldo, distante poucos metros da linha do trem, e onde eu me sentia uma princesa, já que era a única menina estranha no local e, por isso, paparicada por todos os rapazes.
Ah, Jairo! Quanta saudade você me fez sentir hoje! Provavelmente você nunca lerá este meu relato, mas eu ficaria muito feliz se você soubesse o quanto seu artigo me fez bem e saudosa!
Dizem que quando a gente começa a lembrar muito do passado é sinal de que a velhice chegou. Se isso é verdade, eu confesso, estou velha! Velha e feliz! Feliz e com o coração repleto de amor e saudade!