Carnaval: Conheci teu veneno numa quadra de ensaio; a morena me olhou, eu mirei a formosura, nem precisava ser destaque de nada, bastava o lume de suas órbitas, a promessa de ocultos prazeres, o sorriso em enigma permanente.
Nunca gostei de Carnaval. Também não sei o que fui fazer ali, passei por acaso e o que me atraiu foi o batuque, o ritmo forte do surdo e os tamborins em consonància. O samba, mal se ouvia na voz do rouco locutor - Todos são; não é mesmo? O que importa entender o enredo se nunca houve nenhum, ele se desenrola apesar do mestre-sala e porta-bandeira, é como um ser vivo na avenida, lembra um dragão chinês... Mas não é.
A brisa traz o doce veneno, o batuque entra nas veias, o eco de antigas vestes se reproduz em nossa pele sob a pele, a alma se alvoroça e quando olho pronto! Está lá a cupidez de uma boca de esfinge, é para mim que ela se abre e eu apenas passei devagar, parei o carro e de curioso, virei coadjuvante de uma trama que já estava escrita. É possível?
Dos lábios eu lembro; dos dentes serenos eu me recordo, da cintura eu tenho a imagem da pequena pérola incrustada como num desafio, a dança enlouquecedora no carro alegórico que saiu na avenida eu gravei com os filmes de minha psique e com os olhos de meu coração já envenenado.
Carnaval: conheci o teu princípio, provei de teu veneno e agora procuro o teu antídoto.