Minha história começa pelo final. Minha mãe já me dizia, no meio de seu sofrimento, que tudo tem seu lado bom e seu lado ruim; ela conseguia ver o lado bom de tudo. Era impressionante!
Modéstia à parte, me acho bonita. Quando passo, me olham: Olham meu porte de deusa de ébano, olham meu perfil de sereia de rio, isto à s vezes incomoda mas, e daí? Pelo menos sou olhada.
--Gostosa!
--Meu Deus, isso em casa...
--Se enxerga, malandro!
Não sou para qualquer um! É aí que começa minha história, num dia chuvoso, eu sozinha em casa, sem luz e à luz de uma vela que teima em sobreviver. Como se fosse minha chama interior, ela bruxuleia e enche de sombras as paredes da pequena sala de minha casa aconchegante, onde eu tiro minhas roupas ao chegar e desfilo como vim ao mundo, satisfeita pelo vento entre minhas coxas torneadas. Satisfeita da vida e comigo mesma, gosto do que vejo no espelho. Só não gosto de uma certa pinta, ela se acerca de...Bem, não vou contar tantas intimidades assim. É quando eu penso nele.
--Sinto tua falta, morena!
--Então, venha para cá!
--Tu sabes que não posso!
--Mas na prática...
--Não posso...ainda!
--Você me enrola! Quer o meu carinho e não luta por ele!
--Já conversamos sobre isto...Muitas vezes... não me faça sofrer!
Ah, é sempre ele que sofre. Sempre ele, com seu egoísmo, sempre virado ao próprio umbigo; sempre ele, sempre sua família. E eu? Não conto nestas horas? Só tenho valor na cama? Só sirvo para lembrar a ele que ele deve se esquecer do que foi e viver o que poderia ser?
--É para isto que ficamos juntos?
--Já falamos sobre isto...
Ele sempre interrompe nossa conversa assim. Diz que me ama, mas fica dias sem aparecer, nem telefona. Eu olho para a janela embaçada e já nem sei se o que turva a imagem da cidade enevoada é dela mesma ou uma ilusão de meus olhos cheios de lágrimas que eu disfarço no dia a dia, no trabalho, nas ruas por onde passo leve como uma pluma e pensativa como uma estatua.
--Minha nossa, é um monumento.
--Minha mãe precisa de uma nora assim...
--...
--Não sou uma qualquer!
Não sou, não. Lá onde trabalho, todos conhecem meu sorriso. Dizem, eles dizem, que meus dentes parecem o teclado de um piano, de onde saem lindas notas musicais e perfumadas, olhem só, que elogio! Quem diz isto são meus amigos. E ele de vez em quando me despreza, diz que está cansado, que trabalhou muito e que prefere ficar em sua casa, que é onde mora sua família, não a nossa que é onde vive seu verdadeiro amor, que sou eu. Pelo menos eu acho que sou mas cá entre nós, que ninguém me ouça neste dia feio e maltrapilho, eu acho mesmo é que é comodismo puro.
--Não seja tola!
--Não me chame de tola. É o que menos eu sou! Nunca mais diga isso de mim, ouviu?
--Querida...
--Não me venha com essa de querida, docinho, blá blá blá. Quero ações concretas. Eu faço tudo por você!
--Ficar nessa casa me esperando é fazer algo por mim, você acha?
--Saia de minha casa!
--Não quis dizer isso...
--Saia já!
Bem, foi pelo final de um grande amor que principiei a contar minha história; Ã s vezes o princípio é o fim e o fim pode ser um recomeço. Como não sou de ficar triste demais, como adoro os raios de sol que a vida nos traz, como amo de paixão andar pelas ruas leve e solta...