Se eu fosse Frank de minha boca sairiam todas as notas noturnas do mundo, paralelas à s de todas as bocas vermelhas de champanhe, ah seria uma beleza. Se eu fosse Sinatra nenhuma me escapava, eu com aqueles olhos e elas com aquela ironia, abusando para serem provocadas. Ah que fantasia que nada, não precisaria; quem não quis ser alguma vez Frank e ter sua voz para narrar nos ouvidos das esquinas as trajetórias de nosso mundo sem rumo?
Se tivesse aquela expressão nas pupilas quem delas me resistiria? Então, estalando os dedos, eu ouviria os pianos acompanhando meus passos lentos, compassados com a música dos meus sonhos clara em minha cabeça, enquanto muitos rostos se virariam à minha harmoniosa passagem, os bicos de meus sapatos brilhando à luz de todos os Ambassador do mundo.
Para quê pedir bebida? Viria o caviar, viria a notícia do dia em minhas mãos, dada por gentil ação de uma belezoca qualquer que me cercaria de agrados e mimos, com o drinque estrangeiro e sua indefectível azeitona pendurada que ela tiraria com a suave rapidez de uma Nefertiti, a danada. Eu só faria cantar em seus ouvidos trêmulos e dançaria talvez com ela ou com as outras em torno.
Nada de mornos pratos, nem me digam de lágrimas vãs; eu não as entenderia de qualquer forma porque meu mundo seria outro, teria outras peles, outras formas. Então meu paladar seria sutil assim como meu tato tocaria de forma diferente, se eu fosse Frank. Qualquer um que saiba o que significa dançar à luz da lua saberia de onde eu falo. Meu nome estaria estampado nas nuvens, se Sinatra me habitasse.
Pena que amanhã é segunda-feira. Tenho de cantar noutra freguesia, dar outros dós no desafino; é meu destino, meus sapatos não rebrilham tanto, graxa de terceira. A vagabunda que me cerca é de outro estilo, minha maladragem não permite que eu tome vodca, só pinga e eu tenho de trabalhar pendurado em trens que nunca chegam. Nada de notas plangentes, só o plac plac da multidão cansada, o viaduto do Chá e seus pedintes. Ah se eu fosse Sinatra, cantaria na chuva e dançaria como Astaire, mas espere, não é esse não, ah maldita dose a mais que eu sempre engulo depois do pretinho. Para calibrar um bom início, lá vou eu.