Não querida, eu não tenho o poder de ser mais do que sou, apenas sou humano. Minhas limitações são as mesmas que as suas. Também tenho pele, olhos que brilham, capto todos os seus cheiros. Não entende? Eu procuro me adaptar ao seu ciclo, ao seu tempo. Tempo, mais do que a própria palavra, tempo tem uma densidade que nos relativiza e nos põe de cara com o infinito e com a finitude, a nossa, a sua, a deles.
A finitude de todos.
Tenho minhas alegrias, tenho meus motivos para deixar de dormir, seguir vivendo todos os meus exageros, minhas neuroses, meu tamanho, meus desesperos. Sonhar é desafiar os próprios destemperos e repentinamente despertar noutra esfera, noutro sonho dentro de um mesmo. Também tenho meu próprio degredo, meu tempo consolidado, minhas próprias feras descompassadas. Tenho comigo meus segredos que nem mesmo eu sei, para onde vão (há sempre um lado obscuro que nos oprime, há sempre um lado de nossa alma que tememos, não há?), mas eu contabilizo mais meus lados positivos do que meus momentos negativos.
O que afinal nos move querida? São nossos sonhos, é a relação com a realidade que tolhe nossos principais talentos obrigando-nos a trabalhar nossas diferenças com ela ou são as projeções de nosso tempo interior no que nos molda como seres relacionais e racionais? Ficou difícil? Pergunto, o que nos move afinal? Desde que nascemos, o que nos move é nosso ar e, no entanto, nessa abóbada azulada em que respiramos, diferentes são as aspirações, os anseios e díspares são as inspirações, diferentes os motivos de cada um que se agita em seu pequeno mundo, com sua corja de incertezas e individualidades.
Estamos sozinhos; a minha dúvida é se moldamos nossa grande amiga ou se é ela que nos define. A solidão. Penso que estamos estanques, aquela sensação de fusão com a multidão nunca me tocou, penso que cada um dos que anda numa praça carrega sua alegoria do que é seu mundo, do que são os seus desejos mais profundos.
No entanto, quando estou com você, abrem-se os poros de minha alma, sorvo o sonho de tua aura toda, que inebria o ambiente que a cerca. Simples assim. Quando estou com você, nada assoma à lagoa, não brilham os olhos da escuridão; inebria-me o seu perfume. Deixo a minha pele, a segunda que carrego, fora da porta de casa, pendurada num porta-chapéu antigo, como se fora um boné e lhe apresento a minha verdadeira face e lhe ofereço a outra.