A importància dos líderes no futebol
Carlos Claudinei Talli
Certa vez, conversando com um querido amigo sobre futebol, ele me contou que seu pai, um apaixonado pelo jogo bem jogado e uma pessoa muito experiente e estudiosa das coisas da vida, sempre lhe dizia que gostava de comparecer aos estádios para, mais que assistir ao jogo propriamente dito, observar principalmente o comportamento dos jogadores em campo. Para ele uma partida de futebol era como uma amostra da vida das pessoas no cotidiano. Era o melhor lugar para se descobrir o que ocorre no interior das pessoas, porque, em determinados momentos do jogo, a censura, que todas as pessoas desenvolvem para bloquear certas manifestações na vida real, desaparece completamente, e eles, os jogadores, se mostram como realmente são, sem os disfarces usados no dia a dia.
Livres dessa força interior que faz com que todos nós, como verdadeiros atores no palco da vida, desempenhemos vários papeis que não representam o que somos na realidade, nos mostramos como realmente somos.
O pai daquele meu amigo usava o futebol como um verdadeiro laboratório experimental, para conhecer melhor os sentimentos das pessoas e os seus próprios, também. Com isso, ele fazia uma verdadeira viagem rumo ao seu interior com o objetivo de desenvolver o autoconhecimento.
E ele foi notando que alguns jogadores, apesar de o futebol ser um jogo coletivo, se comportavam como se não o fosse, colocando o individualismo acima de qualquer outro valor, jogando apenas para si, sem se preocupar com o todo. Por exemplo: um gol de placa, marcado por um desses jogadores, muitas vezes era considerado por ele mais importante que o próprio resultado da partida.
Alguns poucos tinham uma atitude diametralmente oposta; jogavam em prol do time, desgastando-se na tentativa de ajudar os demais, enxergando o time como um organismo único composto por vários setores interdependentes. Esses, geralmente, mostravam uma garra incrível e falavam o tempo todo tentando motivar os companheiros, chegando muitas vezes a repreendê-los energicamente se não assumissem o mesmo espírito.
Entre esses dois extremos, uma infinidade de posturas intermediárias, revelando os inúmeros matizes que compõem o universo do comportamento humano.
Quem acompanha futebol certamente já observou que existem jogadores extremamente agressivos dentro de campo, e que fora dele se mostram pessoas controladas e educadas, gerando o célebre comentário: `dentro de campo ele se transforma, parece outra pessoa´. Isso prova a existência daquela censura interior acima lembrada.
Um jogo de futebol é um grande teste para revelar a verdadeira personalidade de uma pessoa. Fora dele, é o comportamento controlado, censurado, adaptado à s convenções sociais, que prevalece.
Levando-se em conta os dois exemplos extremos aqui ressaltados, o jogador coletivo e o individualista, podemos notar que os grandes times de todos os tempos tinham na sua formação pelo menos um grande jogador coletivo. Geralmente esse tipo de atleta tem uma qualidade extremamente importante: desenvolve uma liderança natural e positiva em relação aos demais, induzindo à união do grupo, o que facilita em muito a conquista da vitória. Os individualistas, ao contrário, mais criam problemas que geram soluções.
A maioria dos demais jogadores tem as duas características acima mencionadas, e muitas outras também, em quantidades variáveis, e dependem da presença ou não de líderes naturais para manifestarem as suas tendências. Quando no time existe um ou mais líderes, comportam-se como jogadores coletivos; na ausência deles, se transformam em individualistas ou, mesmo, em acomodados. Na vida em sociedade isso também ocorre.
Pelo que foi exposto neste artigo, fica claro que a presença de um ou mais líderes positivos em um time de futebol é condição indispensável para o seu sucesso. Um exemplo recente do que a falta de uma liderança dentro de campo pode ocasionar foi o pífio desempenho da nossa seleção no último mundial da Alemanha.
Apenas excepcionalmente a escalação de um ou no máximo dois jogadores individualistas pode se justificar: quando a sua qualidade técnica extrapolar em muito a média existente num determinado momento. Foi o que aconteceu com o Romário na Copa de 1994, por exemplo. Em qualquer outra situação, é injustificável. Na maioria das vezes esses jogadores apenas provocam a desunião do grupo, e o objetivo maior que qualquer clube persegue, a conquista de campeonatos, torna-se, quase sempre, impossível de ser alcançado.
Assim, espero tê-los convencido de que o pai do meu amigo, que mencionei no início, tinha razão ao sugerir que o comportamento dos jogadores numa partida funciona como um espelho, que reflete exatamente as tendências que todos nós, seres humanos, temos no nosso interior.
Talvez, por isso, o futebol desperte tanta paixão.