DISCUTINDO A RELAÇÃO
(Por Germano Correia da Silva)
Um casal que gostava de discutir a relação, preferencialmente durante as refeições, fazia isso com tanta perfeição que à quela altura dos acontecimentos o relacionamento rotineiro entre ambos, envolvendo o tripé amor, paciência e dedicação, já andava aos trancos e barrancos.
A conduta e a participação efetiva desse marido no àmbito do seu lar não eram lá grandes coisas, mas na maioria das vezes era a esposa que o alfinetava, partindo para as ofensas pessoais e insultos os mais variados, a exemplo desse diálogo que veremos a seguir:
- Querido, eu adoro conviver com você, mas analisando bem algumas de suas atitudes e comportamentos corriqueiros, não é difícil perceber que muitas vezes você não vale a metade do valor do prato de uma de suas refeições diárias.
Ele, por sua vez, em momentos como esses se fazia de desentendido e sem dar maior importància para os comentários agressivos da esposa irritada permanecia, ali, comendo naquele prato de sempre e para contrariá-la e/ou irritá-la ainda mais, de vez em quando ele fazia questão de dizer em tom de sarcasmo:
- Querida, ainda bem que o amor que você sente por mim é bem maior que essa sua mania boba de querer me fazer críticas descabidas e quanto a esse apego que você tem para com o prato onde é colocada minha refeição diária, que no seu entender me supera no quesito valoração, eu tenho uma dúvida dentro de mim, a qual tem me deixado meio intrigado:
- Será que se o nosso amor não fosse assim tão robusto, em que pese os nossos altos e baixos, você já não teria descartado esse prato onde é colocada a minha refeição e substituído por outro mais valioso que ele?
Ela sorriu com os dentes cerrados e, sem perder tempo, decidiu dar o golpe de misericórdia:
- Fique tranquilo, querido, a exclusividade no tocante ao uso dele ao longo de nossas refeições triviais será sempre sua. O que poderá piorar com o passar do tempo e isso você já deveria ter notado, é a qualidade do cardápio que será colocada à sua disposição.
O dia-a-dia desse casal continuou acontecendo naturalmente. A maioria dos pratos de uso diário foi quebrada casualmente, outros permaneceram guardados, sem nenhuma utilidade.
Quanto à s provocações e ironias recíprocas desferidas durante as discussões da relação elas continuaram sendo utilizadas numa proporção bem menor que antes e pouco a pouco iam deixando de versar sobre o valor do(s) prato(s) onde a comida era servida...