Bebida ruim a gente não esquece, porque queima a alma. Passo ao largo destes botecos porque além de sujos, sugam a alma da gente e parece haver um conluio dos barmen com o inferno. O homem do bar sempre tem olhos frios, mãos grandes ocupadas com copos que tilintam e panos pendurados no braço esperto numa atitude de impassível observador e ao mesmo tempo uma declarada insolência.
Foi num destes que eu entrei para nunca mais. Era um daqueles dias que você espera que nunca mais apareça no raio de sua vida e isto porque já estava algo incomodado com a luz baça das nuvens e com as putinhas tristes penduradas nos postes. Entrei e o bafo azedo de suor, cerveja e mijo já se postou como uma barreira. Como é que alguém, dizia eu à quela altura, pode entrar num lugar destes?
Gosto de aventuras. Sentei no banquinho escorregadio que meio inclinado, tendia a tornar a minha postura algo insegura, como um colchão de uma certa cama em que dormi e que a determinada altura me colocava no chão. O fim. Chamei o rapaz do bar, a torneira aberta no último volume. Pedi um Gin Tónica, para experimentar. Bebida segundo alguns broxante, não tanto pelo gin, mais pela tónica. Como não acredito mais nestas coisas de mitos, neste mundo tão carente deles, de um trago só tomei o veneno. Nem Sócrates daria uma golada assim e olhe que ele é um clássico.
A beberagem desceu pelo meio de meu tórax como chumbo derretido. Olhei assustado para o barman que com um sorriso sarcástico parecia já esperar pela minha reação, o desalmado. Só não cuspi o fel todo em sua cara porque se o fizesse teria ateado fogo ao meu jato bucal só para vê-lo arder em chama rubra. Não, eu sou persistente, sempre digo isto! Macho que é macho aguenta firme o tranco. Pedi mais uma, o garçom com aquela cara de incerteza me fez mais um copo.
A fumaça do bar se confundia com minha presunção de sair sóbrio dali. Novo gole, nova tortura. É que não sou acostumado, vejam bem. Não fica bem um homem de reputação como a minha entrar num bar qualquer e ir bebendo a primeira coisa que vê pela frente. É algo meio Feliniano, um comportamento irracional, como se o Homem- Elefante entrasse lá e pedisse com a maior delicadeza um copo de suco de morango. Iam matá-lo. Frito. A mim não me interessava o que pensassem, só não queria sair de quatro dali.
Ah, como tem moça safada nestes lugares, tem a que se exibe toda, parece uma couve-flor de aberta, tem outra que tem um sorriso doce e pelo andar você já nota que o dólar é falso, tem aquela que ri desbragadamente (são as piores porque de simpáticas não têm nada). A cada novo gole, uma se aproxima mais, para ver quando dará o bote ou quando vai misturar uma coisinha a mais no copo do vagabundo para retirar dele bem mais do que ele pode dar.
Nunca mais. Nunca mais vou esquecer a boca da morena que se sentou ao meu lado, os olhos cor de mel, o hálito de perfume de chiclete, a curvinha sensual dos lábios e a pintinha na testa. Nunca mais vou beber tanto nem por tão pouco vou me deixar levar para um canto escuro de um bar esquisito e fedorento. Já sei que não mais me deixarei beijar por boca tão quente nem por língua tão ávida. Não, não era qualquer uma e isso eu percebi pelo seu tato, pelo paladar de seu beijo, pela vibração de suas ancas. Bem diria meu amigo, afasta de mim esse cálice, mas de bebida como esta não me aproximo mais porque era como se eu estivesse de pupilas dilatadas e as duas fixaram a morena como uma princesa, virou uma rainha depois de subirmos ao quarto e me deixou sozinho à s duas em ponto com a abóbora na mão.
Ah, como tem moças safadas nesta vida que a gente leva. Não me pediu nada a fogosa, quando achei que ia me escorchar, não me disse nada de si, apenas me pediu para guardar boa lembrança dela enquanto a amava. Não me deixou penetrar em sua couraça, apenas disse que passara pelo bar por acaso, me vira sentado feito um passarinho torto bebendo feito um homem grande e resolvera se achegar por me saber sozinho, por se sentir cansada e coisa e tal. Destas coisas que se diz na hora H, na última da noite, quando se despedem os noivos da madrugada.
Dessa não me esqueço tão fácil, nem brevemente nem nunca mais, porque parecida comigo só que o contrário, ela fêmea e eu o espelho. Aventura é bom, mas essa me deu úlcera e um bom par de dias de insónia.